EPÍLOGO

O NÁUFRAGO DAS ESTRELAS

Qual história haverei de contar agora?
Na parte do mundo que me recebe amanhecer é uma questão de segundos. O tempo não perdoa ninguém da sua inevitável sucessão de acontecimentos. Amanhece!
O barulho do mar é claro, ressoante. Repercute nos meus pensamentos movidos em desalinho pelas imagens embaçadas que se apresentam ao meu sentido da vista.
A aldeia de pescadores a princípio se forma na minha visão como um lugar disforme e carregado de ângulos retos. Círculos parecem se mover na frente dos meus olhos. Halos coloridos impedem que eu veja com nitidez o ambiente onde estou. Incomuns são as minhas sensações visuais. Meu rosto colado ao chão de areia úmida. Pensamentos vindos de muito longe povoam-me de frases elucidativas: "interpreto as sensações como um conjunto de sinais e sintomas referentes às alterações na condução elétrica do cérebro".
Ainda deitado na areia é certo que eu junte as partes das minhas memórias para conseguir me levantar, manter-me de pé. Os resíduos do tempo como eu conheço começam a me preencher. Inicio a reconhecer o tempo do planeta Terra. E ele a mim.
Vozes humanas vem aos meus ouvidos. São estas vozes de humildes pescadores que se aproximam do meu corpo estendido na praia sob o forte sol da manhã.
- Homem, você está bem?
Entusiasmo-me com as sombras e os tons das vozes dos singelos nativos. O arrebatamento me faz movimentar. Levanto-me do chão sem tonturas e sem emitir ruídos. Meus olhares procuram os olhares dos nove pescadores. Seus semblantes humanos me fornecem confiança, acolhimento afervorado. O mais velho dos pescadores se adianta. Aproxima-se convicto do seu convite. Convencido de que eu o aceitarei de bom grado não reluta em proferi-lo. 
- Homem, apoie-se em meu ombro. Seus olhos me declaram de que o seu corpo necessita descansar numa boa rede de dormir. Vamos pra minha maloca. Chegando lá o homem come alguma coisa. Depois repousa até não poder mais. Meu nome é Luís. E o homem aí tem algum nome?
- Rúbio. Este é o meu nome, senhor Luís. Estou vindo, acreditem ou não, do planeta Liboririm. Lá eu era chamado de Duoef... Rúbio Talma Pertinax. -respondo ao pescador sem saber ao certo se disse ou se escrevi a resposta.
A minha voz está bamboleante. Feito um bambolê ela gira com ainda tímidos movimentos do corpo. Em torno da minha mente a voz busca palavras. Dou como verdadeiro que as palavras também procuram a minha voz.
- Liboririm, um planeta com três Esferas, nove sóis...
Os homens do mar começam a me chamar animados de Encontrado. Eles vivem como anjos e se servem do oceano. As minhas palavras não causam espantos às almas pescadoras. Ausentes as incredulidades os nove pescadores que me acham se separam. Cada um vai para um lugar diferente nos arredores da aldeia. Escuto eles falarem que irão informar aos outros pescadores que chegou a Atalaia um jovem homem alto, de parecença simpática, um náufrago das estrelas.
O senhor Luís e eu abarrotados de silêncios e curiosidades caminhamos em direção da casa prazeirosamente chamada pelo pescador de "minha maloca".
- Encontrado, o mar como não pode deixar de ser sempre foi a paixão maior da minha vida. -foi logo me declarando com os sorrisos estampados n'alma.
Os lugares distantes são os lugares que mais se envolvem profundamente com o advérbio perto. Assim que nos adentramos na maloca do senhor Luís vejo a rede que ocuparei. Ao me sentir movendo alternadamente de um lado para outro por algum motivo que a princípio me foge da razão e que se banha nas águas da emoção tenho vontade de chamar de pai aquele pescador de longos cabelos brancos.
- Estais a dar acolhida ao peregrino que fui em Liboririm.
Tenho fome e o pescador me dá o que comer. Tenho sede e o homem das linhas cheias de anzóis me dá o que beber. Numa das paredes vejo uma estampa do quadro Sagrado Coração de Jesus em moldura oval de madeira com cobertura de vidro. Tudo na casa do senhor Luís tem o cheiro característico do mar e do tempo. A sua presença protetora e carinhosa estimula o ressurgimento das minhas lembranças paternas.
- Encontrado Rúbio, meu filho, assossegue-se agora. Beba todo este leite morno contido no copo sobre a mesinha. Durma, descanse o tempo que lhe for o necessário. Quando você acordar será outra vez a noite.
Aspiro o relaxamento proposto pelo dono da maloca. O pescador fecha uma das poucas janelas. A luminosidade diminui. O tempo deseja robusto o encontrão com o meio-dia. Num instante me dou ao sono. Agarro-me às cordas, adornos da rede que não é mais rede. É o planeta Liboririm ainda alimentando a minha memória em pleno nordeste do estado do Pará, Brasil, América do Sul,Terra.
Para os pescadores de Atalaia eu sou um homem procedente das estrelas com uma grande história para contar. Uma história fantástica sobre um planeta situado nos cafundós do judas. Percebi de certa forma que estes pescadores com muita facilidade pressentem as metades disponíveis de um todo.
Sem se proceder com tardança a população da cidade de Salinópolis também já sabe do Encontrado, um estranho porém humano náufrago.
Antes que eu terminasse de contar de 100 a zero cai no sono.

ENTRE O INÍCIO E O FIM

Entreguei-me ao sono. A tarde seria o monumento onde vivo eu descansaria. Assim dormi introduzido em sonhos acalorados. Os sonhos me fizeram a tudo observar. Sonhei com o eterno Liboririm, os seus rios Ojand e Graepia a convidarem os  nove sóis para um mergulho realista nas águas do Oceano Atlântico e se unirem ao solitário, incomunicável e insular visitante terrestre que em outros tempos fora um visitante liboririntáqueo cuja tenção se baseava na visão e no conhecimento. Ocasiões e emoções se misturavam nos onirismos intensos que ocorriam involuntários no meu psiquismo.
Na noite que se descortinou pouco tempo depois que os meus olhos se abriram a aldeia de pescadores se cobriu de gente vinda da cidade de Salinópolis e de recantos e rincões ainda não totalmente explorados.
Naquela boa hora poderia permanecer dormindo. Ainda assim ouviria do mesmo jeito que ouvi a voz do senhor Luís se sobressaindo no meio de outras muitas vozes agrupadas. Imaginei um agrupamento de galáxias. Na verdade a multiplicidade de ações realizadas por aquele povo todo nas imediações da casa do pescador apontava para o conseguimento da organização, paz e tranquilidade.
Antes que eu me apresentasse à multidão serena o senhor Luís me levou ao espelho. Usando uma tesoura e um aparelho munido de lâmina de barbear descartável ensaboou o meu rosto e retirou a barba alongada pelos tempos.
- Melhor assim de cara limpa Encontrado Rúbio. A notícia da sua chegada a esta aldeia se espalhou feito um foguete por aí afora. No meio destas pessoas que estão aqui tem até gente da Rádio Litoral de Salinópolis. É náufrago das estrelas, Deus e o mundo querem ouvir a história que o encontrado tem para contar.
Bebi a água que me foi oferecida, ofertada pelo pescador. À direita encontrei uma cesta com frutas. À esquerda o senhor Luís, que não parava nunca, trazia um pedaço de papel higiênico. Virei o meu rosto em direção ao centro do espelho. Vi uma gota de sangue aparecer no meu queixo. Peguei o papel das mãos do senhor Luís. Apertei-o de leve sobre o local do sangramento. Tampouco acreditei que eu era um morto ressuscitado. Senti-me alegre, contente e em paz com a natureza e com toda aquela gente ao meu redor. Apanhei da cesta abricó, graviola e açaí. Aos poucos e com gosto saboreei as frutas.
As palavras estavam próximas de se unirem formando uma história, a minha história de Liboririm, o planeta do Rio Ojand. Por isso não poria as palavras fora de uso nem as suprimiria ou as riscaria dos pensamentos e da voz. Meus sentimentos me diziam que eu estava pronto para completar, complementar o que se seguiria ao elementar. Seria imaginação, arte, literatura ou ciência a história prestes a ser narrada por mim?
No queixo não mais gotejava sangue. A compressa, o chumaço feito com o papel estancou o sangrar. Os pescadores sorriram. Caminhei até a plateia que aguardava tranquila o dilatado pronunciamento do Encontrado, o náufrago das estrelas.
Sem a longa barba e com a postura crescida andei ao lado do senhor Luís até uma cadeira rudimentar enfeitada com cordas entrelaçadas colocada à frente dos assistentes e ouvintes. A cada passo o silêncio se fortalecia. Quando me assentei o audível era somente o ativo barulho do mar.
Os nove sóis não seriam retirados das minhas lembranças. Elas produziriam os devidos frutos. A época de retornar ao planeta Liboririm haveria de chegar talvez quando o fim se abrisse para o reinício. Mas o momento de contar ao mundo sobre a existência de Liboririm havia enfim começado. Levaria comigo todas aquelas pessoas. Iríamos ao longínquo planeta levados pelas palavras que eu estava prestes a proferir.
Quem sabe quando a velhice no futuro viesse traria a época certa de escrever a mesma história que entre o início e o fim me inspirou naqueles instantes diante dos tantos ouvintes a não me preocupar com os segundos, minutos e horas. Nos pensamentos confesso a existência de festa: a alegria registrada não nas contradições dos sentimentos.
Expus oralmente tudo o que eu me lembrava da ida, permanência e volta do planeta Liboririm. Os ouvintes e espectadores a todas as palavras prestaram atenção. Compartilhei com a plateia os meus sentimentos, pensamentos, vivências. Várias vezes me ergui da cadeira motivado pelo entusiasmo da narrativa, pelas inflexões extrovertidas dos liboririntáqueos. Vieram vezes também que me estendi na areia determinado a contemplar as estrelas do céu de Salinópolis nas emoções das palavras liboririntáticas. Relatei toda a história sentindo nas pausas e respirações a minha vontade própria. A cada avanço da narrativa experimentei o amparo iluminado do amor e do perdão.
Ao final da história algumas pessoas falaram que na noite na qual pratiquei o grande pulo elas viram no céu além das estrelas e da Lua uma claridade, um clarão imprevisto, rápido, belo ao extremo, angelical.
Na alta madrugada as pessoas, lentamente, foram retornando às suas casas, malocas, até que a aldeia pela fé que nela depositei deu-me o ponto de partida.  Fecundos e sem mistérios os pescadores me acolheram no tempo que eu quisesse ficar ao lado deles e do mar. Deram-me afetuosas roupas e chinelos.
Por nove vezes a minha barba cresceu. Por nove vezes o senhor Luís a desbastou tornando o meu rosto visível. No nono corte dos pelos da face declarei ensolarado aos pescadores que a hora de partir havia chegado. Homens, mulheres, jovens, velhos e até crianças da aldeia e das redondezas se juntaram e contribuíram com o que podiam para o meu retorno rodoviário à cidade de São Paulo.


Hoje é o dia que de Salinópolis embarco com destino a Belém e logo em seguida para a cidade de São Paulo. A manhã está bonita como sempre. O sol me recebe. Eu também o recebo. As despedidas começam cedo sob a nitidez deste lugar iluminado. Em cada abraço dos pescadores sinto o espírito do mundo se originar de Deus, da natureza que me faz discípulo dos ventos.
Arrumo numa sacola as minhas poucas roupas ofertadas pelos pescadores. Ontem eu estava em Liboririm. Hoje estou ainda aqui em Atalaia, mas pronto para depois de amanhã estar em São Paulo. Três tempos perpetuados nas memórias do antes e depois. Tudo pronto para o ir-se embora. O senhor Luís se aproxima. Impõe as suas mãos sobre a minha cabeça.
- É melhor nos apressarmos amigo Encontrado.
Os ventos nos completam. Entramos num carro velho manchado de lama e ferrugens causadas pela maresia. Os movimentos do veículo estão lentos e progressivos. Da lentidão pego os tempos maiores para os pensamentos das despedidas. Da progressão vem a emoção com as paisagens dos avançamentos. Nenhuma palavra é dita pelos ocupantes do Corcel. Aos ventos se juntam os silêncios. Esta união demonstra ter um grande coração.
Chegamos ao ônibus que me levará à capital do estado do Pará. Despedidas estão por todos os lados feito parábolas, realidades, curvas, retas, zumbidos interiores equatoriais.
O senhor Luís me acena. Mostro-lhe da janela do ônibus também as minhas mãos. Ele sorri dócil e matreiro. Será esta a última vez que o vejo?
Deixo a minha história liboririntática nas fantasias dos pescadores de Atalaia e de vários habitantes de Salinópolis. Sem jejuns eles a transmitirão de uma pessoa para outra, de um local para outro. Por conseguinte a verdade virará mentira; por contradição o além estará no aquém; por imaginação a narrativa oral que dei existência será deformada e se espalhará como uma lenda.
Continuidade da vida. De um ônibus entro em outro ônibus. Na metade da tarde chego à rodoviária de Belém. Permaneço na cidade apenas o tempo necessário para que o ônibus com destino a São Paulo estacione na plataforma de embarque, abra as portas e se preencha de passageiros ávidos de vida e de estradas.
Sento-me numa das poltronas do fundo do convencional Transbrasiliana. Por um minuto fecho os olhos. Neste mesmo minuto o ônibus se movimenta. Não sei mais se é manhã, tarde ou noite. A voz do senhor Luís surge nos meus pensamentos.
- É melhor não se apressar agora amigo Encontrado.
Minhas pernas ficam para lá e para cá. A aldeia, Salinópolis e Belém ficam para trás. Exploro o calor, os rios, as chuvas, os jambos. A minha língua do Norte viaja à minha língua do Sudeste. Tantos costumes e palavras. Passo as mãos no meu corpo de viajante brasileiro. Encontro marcas do Sol, do sal, das marés. Nenhum objeto, imã ou talismã liboririntáticos trouxe comigo.
Fora do ônibus há sombras de nuvens. O tempo traz a fome e a sede. O ônibus fica suspenso e para várias vezes. Dentro do ônibus há outras cidades. Às vezes mergulho em meus suores. Outras vezes sonho estar voando. Assim o pretérito vira presente. Deste modo em silêncio voltarei quem sabe ao planeta Liboririm e então escreverei a minha longa história. Outra vez anuncio o futuro. A noite é curta. Assim mesmo a Lua sente saudades do Sol.

155º DRUNH, TRAREGU / O GRANDE PULO

O traregu chegou unido à voz pulsante de Lavan Dralesoe, o smekagecpymyta. A voz soou nos meus sonhos ainda navegadores do oceano de estrelas. Abriram-se os meus olhos, mas continuei a percorrer os sonhos estrelários. Acreditava estar me entregando às fantasias ou devaneios. Por outro lado confiei de imediato no smekagecpymyta. Eu metade abstrato, metade concreto ouvi os sons das estrelas. Instantaneamente senti a temperatura altíssima. Era notável a sensação de que aquela quentura me impulsionava para o rumo da superfície. Nesse momento escutei barulhos parecidos com explosões, erupções vulcânicas. Não existiam dúvidas. Eu estava tão perto das estrelas que reconhecia os seus sons. Era como se eu as seguisse prestando bastante atenção nas cintilações dos movimentos da nave Atnaglux, onde eu me encontrava. Às vezes às claras, outras vezes secretamente eu ouvia as conversas das estrelas.
- Estrelado duoef, abrais os vossos olhos!
Meus olhos se abriram. A realidade começou a me servir. O sonho deixou de ser a minha febre. Lavan Dralesoe além de ser o meu unificador à Terra cumpria com excelência em grau elevado também a função de piloto da Atnaglux. Coloquei-me de pé. Postura em busca dos bem-estares físico e mental.
- Lavan Dralesoe, o que devo fazer daqui por diante?
- Alinhado duoef, no primeiro pensamento deve se esquecer do lugar onde aconteceram as ações da vossa abdução: a cidade de São Paulo. Em segundo lugar deve reforçar vossas lembranças da Terra, América do Sul, Brasil. Por alguns momentos o duoef perderá a sensibilidade em relação à cidade de São Paulo. Deixei-a escapar, fugir da vossa memória. Agindo assim o próprio duoef iniciará o processo de unificação com o planeta Terra.
O smekagecpymyta ainda me chamava de duoef. Liboririm se distanciara numerosamente.
- Ainda sou nomeado duoef porque estou dentro de uma nave astronave liboririntática. -conclui lentamente tentando me desviar, ausentar-me das consolações paulistanas.
Lavan Dralesoe se alternava entre a pilotagem da Atnaglux e os procedimentos que a minha unificação à Terra exigiam. A nave se mostrava cada vez mais veloz. O tempo me provocava ora calor, ora calafrios. Por vezes me causava contentamentos físico e espiritual.
Por tudo que o smekagecpymyta me falava entendia que a minha unificação era iterativa e adaptativa. Então por repetidas vezes ocasiões aniquilei a cidade de São Paulo, berço da minha abdução, das minhas recordações. Durante esse processo, de tempos a tempos, Lavan Dralesoe vinha à minha presença e construía, fabricava com o ar objetos coloridos e familiares aos meus sentimentos.
- Deslocado duoef, a unificação necessita da vossa memória afetiva. Sei que há riscos de o duoef encarar fragilidades nas vossas memórias. Talvez a Terra e até mesmo Liboririm não sejam tão grandiosos como se apresentam ao duoef. Portanto, não queira o duoef reviver os deslumbramentos que por ventura venha a descobrir nos objetos que não paro de criar. Guarde e preserve as fascinações e encantos na vossa memória. Os objetos à vossa frente não mudam as direções dos ventos. Servem para ajudar o duoef a alcançar o vosso destino, que em contrapartida começa a percorrer os lugares, a Região Norte brasileira, onde ouvi dizer que Rúbio Talma Pertinax, passageiro da Atnaglux desembarcará.
- E quem ou o que, smekagecpymyta, disse, diz ou dirá ao destino onde eu estarei?
- Transferível duoef, dolorosa ou sadia a verdade ficou em vossa mente.
A minha mente e o meu destino provocaram-me a sensação do amanhecer. Os objetos edificados pelo smekagecpymyta passavam várias vezes diante dos meus olhos. Tratavam-se de traçados objetos seguidores dos princípios geométricos que me demonstravam ter realizado uma longa caminhada até a minha visão. Nomeava-os tentando dominar as emoções porque muitos deles me tocavam, suscitavam fortes entusiasmos, medos, tensões, tristezas, alegrias, dúvidas, certezas, prazeres. Eis algumas das designações que conferi àqueles objetos e coisas que afetavam o meu coração e imprimiam movimentos aos pensamentos: espelho, bolinha de gude, imbuzeiro, asa, cruz, relógio, escada, selo, moeda, cigarro, cálice, carimbo, livro, vela, lápis, papel, caneta, carro, flor, berço, esquife, giz, gravador, disco, vitrola, navio, trem, ônibus, avião, faca, garfo, colher, prato, fio, pilha, interruptor, bola, régua, esquadro, telefone, calendário, sabonete, chuveiro, guarda-chuva, chaveiro, escova de dentes, janela, porta...
O meu destino e a minha mente em atenção aos objetos expostos por Lavan Dralesoe deram sinais adiantados de desapego aos pontos definidos da minha abdução. A cidade de São Paulo e a Rua da Consolação passaram paulatinamente a fazer parte dos meus verdes esquecimentos. Devagar, mas com segurança, compreendi o significado e a necessidade de deixar fugir da memória a cidade onde eu morava. Absolutamente não era um não fazer caso de nem falta de estima ou apreço. Interpretava a clara ideia de que antes do meu desembarque da nave Atnaglux precisava transformar e reverter os requisitos liboririntáticos assimilados durante 155 drunhs em regressivos e progressivos sistemas mentais terrestres. Continuei a observar atento e a sentir os objetos que se punham à minha presença. Tocava-os com sentimentos e pensamentos. Submetidos à apreciação os objetos me estimulavam a contar histórias da minha vida para o smekagecpymyta. A minha voz corria por toda a extensão da nave Atnaglux. Nas histórias que confiei a Lavan Dralesoe não faltaram mais palavras do que os fatos que eu sabia. Contei as histórias exclusivamente para o smekagecpymyta. Relatos minuciosos que não exerciam funções terapêuticas. Funcionavam de maneira exemplar como elementos primordiais para o bom resultado das minhas convergências interativas, evolutivas e adaptativas ao planeta Terra. A cada sucessão natural dos acontecimentos relatados Lavan Dralesoe colocava melhorias nas histórias fazendo-me recontá-las nove vezes.
Quando as histórias se finalizaram os objetos igualmente desapareceram. Tal sumiço não alardeou no ambiente silêncio desesperativo.
- Diferente Rúbio Talma Pertinax, o duoef está pronto para enfrentar as ocorrências incertas que possam acontecer no vosso grande pulo às águas da Terra?
- Positivo porque não admito dúvidas! -respondi ao smekagecpymyta convicto de que voltar para casa não se traduziria em sacrifícios. Revelaria-se sim em oferenda.
Com profundos suspiros Lavan Dralesoe simplesmente retornou para o lugar bem delimitado do comando da dirigibilidade da nave Atnaglux. Consciente pensamento penetrou nas minhas clarezas: o smekagecpymyta não podia se despedir nem me dizer adeus. Nenhum sinal a mim seria dado. O tempo não era mais drunh.
Movimentei-me com cuidado. O reencontrado velho amigo tempo terrestre me respirava sem ser incontrolável. Eu também o respirava. Não éramos destoantes um com o outro. Enumerando circunstâncias deduzi que a Atnaglux estava pairada, suspensa no ar sem quase se mexer. No chão da nave abriu-se uma saída circular. Letras e números se acenderam ao redor desse círculo. Informavam que a nave hibernava a uma altura de 21 metros do Oceano Atlântico, período e altura favoráveis para o grande pulo. Ainda comunicavam a localização exata da Atnaglux.

LATITUDE: 00º 36' 49" SUL / LONGITUDE: 47º 21' 22" OESTE / BRASIL - ESTADO: PARÁ - CIDADE: SALINÓPOLIS - DISTANTE 220 KM DA CAPITAL BELÉM / FUSO HORÁRIO: UTC-3 / PRAIA DO ATALAIA

Leitura finalizada. Não parei de me movimentar. Letras e números se misturaram aos raios solares que chegaram ao interior da espaçonave. Alvuras trazedoras do reaparecimento de Laucariel, o anjo do Vale das Pressagias.
- Rúbio Talma Pertinax, eu, o anjo do presente e da despedida, afirmo que vós estais a um grande pulo de deixar de ser o evidente duoef. Vim para vos dizer adeus. Algemas, amarras e jugo não me acompanham nesse despedir-se.
As mãos do anjo Laucariel encostaram-se nos meus ombros. Apoei-me em seu olhar sublime. Decidido pulei para fora da nave Atnaglux. Mergulhei nas águas salgadas do Atlântico. Retornei à superfície e nadei até as areias da praia onde vi a Lua, as estrelas e o Sol se aproximando. Ao me defrontar com aquela noite que se encerrava não presenciei mais a Atnaglux. Talvez na imensa distância na qual a nave se envolvera o smekagecpymyta e o anjo Laucariel ainda pudessem me enxergar, quiçá me imaginar. Ao olhar para o horizonte da terra firme tive dificuldades para definir as formas e as cores que separadas umas das outras impunham à minha visão a dúvida de eu estar ou não em um aldeia de pescadores.

LAUCARIEL, O ANJO DO PRESENTE E DA DESPEDIDA DO VALE DAS PRESSAGIAS

"...MOSTREM-SE GRATOS A EUDAIPS PORQUE ELE É BOM E O SEU AMOR É O SEMPRE.
ANUNCIEM ENTRE AS GALÁXIAS AS SUAS PROEZAS..."
(EXCERTO DE UMA ORAÇÃO LIBORIRINTÁTICA)
"-Sou o anjo do presente e da despedida. Meu nome é Laucariel. Saí no tempo exato, infalível, do Vale das Pressagias com o desígnio de estar com Rúbio Talma Pertinax. Rodeei-lhe de novas surpresas e de velhas despedidas. As surpresas ainda se mostram ao abduzido. Acredito que os fatos imprevistos e os prazeres inesperados são os destaques, os temas principais não apenas dos drunhs que me mantiveram ao lado do terráqueo, mas também da totalidade dos drunhs que Rúbio Talma Pertinax permaneceu em Liboririm apoiado e protegido pelos anjos do Vale das Pressagias, que jamais o dispensaram da proteção divina. Entre os anjos liboririntáticos sempre é assim. Somos grandes. Somos os servidores de Eudaips. Sou o último anjo das Pressagias que se apresentou ao duoef. Cabe a mim a expressão de quem se despede àquele que vai embora. Lancei-me aos ventos liboririntáticos cumprindo e praticando criações, colocando em prática a realidade. Verídico será o regresso de Rúbio Talma Pertinax ao planeta Terra. E é o silêncio o meu transportador, o que me conduz ao Vale das Pressagias. Estou à vista e também me separando do terráqueo de caráter idealista e de imaginação inspirada. No sossego, na paz e na invisibilidade me despeço de Rúbio Talma Pertinax sem me esconder dos seus olhos poéticos, que a tudo podem ver e sentir. Dos nossos braços se abrem os atos dos abraçamentos. Há lágrimas no rosto venturoso da despedida. Despeço-me do duoef em nome do planeta Liboririm. Afirmo a Rúbio Talma Pertinax que os liboririntáqueos o respeitam, que o planeta dos nove sois o recebeu com alegria, afeição e interesse, que os braços liboririntáticos continuarão abertos para ele. Sem perda, sem sofrimento, sem frases a minha autoridade própria de anjo se desapega do viajante cósmico. Ele se enche de ar. Produz em sopro o vento que me transporta ao Vale das Pressagias. Ainda sou o seu companheiro silencioso. Como já havia dito sou o último dos nove anjos escolhidos por Eudaips para acompanhar o corpo e a alma de Rúbio Talma Pertinax. Se houver a crença, a fé nas proezas infinitas de Eudaips a minha missão não termina aqui".

SEUG RENICD, O ANCIÃO 1 DO CONSELHO ESCLABRIM

SEUG RENICD
- "Meu nome é Seug Renicd. A verdadeira porta cósmica se abriu para a retirada de Rúbio Talma Pertinax do planeta Liboririm. É bem visível que não se trata de retirada estratégica. O abduzido nunca considerou Liboririm uma prisão e os liboririntáqueos inimigos. Nós, os liboririntáqueos, o transferimos de um lugar para outro. Retiramos Rúbio Talma Pertinax do planeta geoide Terra que gira em torno de um único sol e o deslocamos para o planeta Liboririm, composto por três Esferas fixas e perfeitas unidas por um planalto metálico. Planalto este que gira em torno de quatro dos nove sóis que iluminam Liboririm. Trouxemos o terráqueo para evitar que as suas aptidões naturais, habilidades adquiridas, engenho e forças fossem destruídas, desmoronadas abruptamente pelas contingências da vida terrestre. Detectamos em Rúbio Talma Pertinax a doação ao ser, a originalidade autora das novidades, a necessidade respiratória da invenção, a alma fundadora e fecunda. Sem estes elementos, dons naturais, nenhum terrestre conseguiria sobreviver no tempo liboririntático. Mesmo se sorrisos e agrados sinceros se registrassem límpidos nos sentimentos e pensamentos de um ser terreal seria imprescindível a criatividade, a imaginação, a solidão e  poética congênita dos seres que se entregam às explorações das experiências. Caso contrário as emoções e sensações liboririntáticas são arrefecidas e se abrandam de tal maneira que se tornam um perigo, e o pior à vida humana não tarda a acontecer. Cremos que ensinamos ao abduzido nossos preceitos e conceitos. Também aprendemos com  Rúbio Talma Pertinax. Por intermédio dele conhecemos mais o comportamento humano. Como disse tempos atrás a verdadeira porta cósmica se abriu para a retirada de Rúbio Talma Pertinax do planeta Liboririm. A estrada que o levará de volta ao planeta Terra foi construída pelos seus próprios passos. Nós, os liboririntáqueos, sentiremos a falta do duoef, o habitante poético da Terra. Os laços criados na mente e no coração do duoef com os sóis, a natureza, o urbano, as coisas sagradas de Liboririm viverão e se evoluirão realmente, presente e futuro, na vida e no tempo de Rúbio Talma Pertinax. Os momentos vividos, significativos, são as partes encantadas dos planetas. Apresentei-me ao zunidor duoef na casa do wicauf. Olhei profundamente para os seus olhos emoldurados pelas claridades solares. Rúbio Talma Pertinax no céu de Yurryczyarx viu quatro pássaros sobrevoando a moradia do wicauf. Antes que aquele drunh, traregu, terminasse meu rosto se virou de perfil. Assim visto de lado poderiam as minhas lágrimas de despedida ganhar contornos e silhuetas? Eu, o wicauf e o duoef naquele traregu nos encontramos pela primeira e última vez. Faltavam apenas, a partir do próximo drunh, nove drunhs para o término do aprendizado e realidade do duoef no passado, o Liboririm.

154º DRUNH, SETERGU / BOM PRESSENTIMENTO

Os elevadores não se atrasariam. Eu não me retardaria. Apenas um dos elevadores, mesmo se todos eles chegassem juntos, levaria-me ao destino das alturas liboririntáticas. Durante o tempo da espera divaguei, acompanhado pelos ruídos de cabos de aço, correntes e roldanas, sobre os substantivos masculinos equilíbrio e desequilíbrio. Corpo e mente. Eu não queria e nem poderia interromper os meus pensamentos. Inverti a sequência dos olhares no encalço dos pensamentos. Movimentei-me como o meu corpo se desequilibrasse. Meus ossos produziram estalos. Senti conglomerados de vertigens e medos. A qualquer instante o desequilíbrio poderia me tirar o equilíbrio. Eu desvairava e iludia, pelo menos tentava, a minha emotividade excessiva. Passava os dedos nas paredes com o intuito de prosseguir a escrevinhação numérica e também com o intento de apagar todos os números que escrevi na mesma parede liboririntática que se erguia em proteção aos elevadores desequilibradores.
Os elevadores se retardariam. Eu me atrasaria? Eu era um homem próximo da janela alta. Escolhi a paisagem vista desta janela para ser a minha companhia até que os elevadores chegassem. Mesmo absorto e equilibrado no mundo liboririntático que eu admirava do outro lado da janela continuei a ouvir os ruídos das roldanas, correntes, cabos de aço. A melhor maneira que eu dispunha de amenizar a espera foi inverter outra vez a sequência dos olhares sobre os pensamentos. Procurei não me variar em demasia com o tempo. Afastei-me da janela. Aproximei-me dos elevadores. Meu corpo se posicionou normal sem oscilações. A mente não se desviou das sonoridades metálicas. Conservei-me em equilíbrio. Não consegui reconhecer se foi fácil ou difícil esperar os elevadores.
Os elevadores chegaram? De repente me habitou uma forte lembrança do meu pai. Memória verdadeira, positiva, que me encorajou, alegrou-me. Meu pai se apoiou nas minhas mãos. Os movimentos dos veículos eram intensos. As ruas cheias de gente e automóveis. Caminhamos em direção do Parque Municipal da cidade de Belo Horizonte. Era um dia de muito sol. Motivado pelo calor antes de entrarmos no parque meu pai comprou sorvete. Brotou em mim um largo sorriso. Adentramo-nos pelo verdejante espaço de lazer. Soltei-me das mãos do meu pai. Corri em todas as direções até que o crepúsculo matutino iluminou a figura do meu pai. Lancei-me sobre ele para o tocar. Esta recordação desvaneceu os maus pressentimentos. A espera não causava dor. Não sentia a presença em mim de sinais de sono. A espera pelos elevadores estava prestes a se findar. 
Fiquei fascinado, maravilhado quando os elevadores chegaram. As esperadas máquinas elevatórias abriram as suas portas. Fiz a minha escolha. Entrei na cor clara do elevador escolhido. Imediatamente à entrada a porta se fechou. Fui conduzido às alturas veementes do Setor de Devolução (SD). Talvez o SD funcionasse na cidade de Nesemix. Mas como saber? Indubitavelmente de que adiantaria saber naqueles momentos terminantes da minha estadia em Liboririm a localização do SD? Perguntas a responderem perguntas. Estava prestes a acontecer a minha chegada à Terra.
Ao sair do elevador me deparei com uma plataforma cercada por cintilações siderais. Fiquei admirado com a grande quantidade de robôs que circulavam nas imediações do disco voador, da nave pousada sobre a plataforma espacial. Eram espetaculares robôs impregnados de tarefas aeroespaciais, comunicacionais, logísticas, trabalhos de navegação, seguranças, convicções. Alguns desses robôs me acenaram. Gestos de despedidas. Deslumbrado com os mecanismos automáticos liboririntáticos não vi de instantâneo um dos robôs me apontar a porta da nave que me transportaria de volta à Terra. Assim que percebi os sinais do robô uma pequena e fosforescente placa de metal surgiu à minha frente. Nela havia palavras gravadas com laser e fogo cujos teores informavam características daquele robô apontador.
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NOME / TNEUHUMX
PERFIL / MODERADO
APRENDIZADO / ESTÁVEL CONSTANTE
INTELIGÊNCIA / AUTOMÁTICA
COMPREENSÃO / ANALÍTICA
PROVISÃO / DESEMPENHO DISPONIBILIDADE
SERVIDOR / SEGURO
AMBIENTE / TEMPO REAL
APLICAÇÃO / TRANSPARENTE
CAPACIDADE / MILHENTOS DE MENSAGENS POR FOROACS
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Assim que terminei a leitura dos dizeres da placa o robô Tneuhumx se apressou em chegar perto de mim. Meu coração começou a voar. Entrei e me instalei na nave chamada Atnaglux. Ainda vi os acenos dos robôs liboririntáticos antes de tudo se escurecer. Meu coração se sentia claro. Tive então o bom pressentimento que a viagem de regresso ao planeta Terra começara.
- Meu pai, drunh samenoa khaej?
- Meu filho, khaej setergu!
Enquanto a velocidade da nave Atnaglux agisse no tempo único existente nos múltiplos tempos encontrados o meu pai não desapareceria das minhas lembranças. Meus pensamentos e sentimentos visitaram e revisitaram cidades liboririntáticas como Algnisav, Delusila, Fagja, Inesurv, Rettac, Butrew, Nesemix e tantas outras.
A viagem para fora de Liboririm prosseguiu sem interrupções. As expectativas me tomavam na esperança sem promessas. Ouvia pacientemente os ruídos da Atnaglux. Em certo momento da viagem perguntei ao meu pai se ele sabia ou imaginava em qual lugar da Terra eu seria deixado. A resposta se deixou conquistar pelo silêncio inesperado e inesitante. Meu pai partira das minhas lembranças liboririntáticas e se convertera às minhas  memórias terrestres, humanas.
LAVAN DRALESOE, O SMEKAGECPYMYTA
Fechei os olhos. A mente ansiava que quando os meus olhos se abrissem o planeta Terra, a América do Sul, o Brasil, a cidade de São Paulo e o local da minha abdução tão a pouca distância do Cemitério da Consolação alegrassem o meu coração voador.
- Devolvido duoef, abra os vossos olhos! Sou Lavan Dralesoe, o smekagecpymyta.

153º DRUNH, DOSUGNO / O OCEANO E A ILHA

Por vezes o planeta Liboririm me passou a ideia dele ser liboririntáqueos a jogarem sementes no solo proficiente. Os acontecimentos no Reino de Eudaips quando não se continham no coração escorriam pelos meus olhos. As presenças dos liboririntáqueos nos meus sentimentos e pensamentos me faziam colher ainda as belezas espetaculares da natureza do planeta que em anúncios abstratos, fundamentos no discorrer do tempo, despedia-se de mim. Eu me tornara o possível de mim mesmo.
Compreendia, contudo, que as escolhas liboririntáticas, as somas dos drunhs da minha permanência sob os nove sóis, ocasionavam consequências. O resultado que mais mexeu comigo foi saber que o caminho me proposto pelos liboririntáqueos estava se finalizando. Eu o percorrera com a minha justa medida. Liboririntaticamente isso não significava fim, rompimento, mas por mais e ainda mais que Liboririm me acrescentasse felicidades e suas variantes as certezas me convenceram de que eu nunca mais retornaria ao planeta das três Esferas e do Planalto dos Metais. Para os argumentos das incertezas era certo que o futuro me traria outra vez ao tempo liboririntático.
Quando o médico Rolzi Stemkiv segurou em minhas mãos o dosugno transbordou no coração. Espalhou-se o drunh nas amplidões da minha mente. O tempo me ergueu além das nuvens. Os olhos se abriram. Enxerguei a nave espacial que me seguia em todas as direções que eu me movimentava. Quem poderia afirmar que dentro daquela nave não estivessem o oceano e a ilha?
Rolzi Stemkiv sabia muitas coisas a meu respeito. Possuía dados estatísticos, informações cerebrais, intelectuais, sentimentais, digitais, elétricas, manuais. Com as suas mãos entremeadas às minhas mãos me conduziu à sua sala. 
O consultório estava diferente sem estar desigual. Lembrava-me muito bem como eram as disposições dos equipamentos quando estivera com o médico Rolzi Stemkiv logo que desembarquei em Liboririm. Os móveis e aparelhos mudaram de lugar. As paredes foram pintadas. Ladrilhos desenhados foram inseridos no teto. O lugar sofrera modificações talvez profundas. Mesmo assim não perdera o ar de sua graça. Deitei-me numa maca. O médico me pediu nudez completa. Passou-me um creme oleoso de aroma agradável. As duas portas do consultório se fecharam. O médico ficou parado a olhar para mim consentido nas duas portas. Pressenti que o trabalho de Rolzi Stemkiv começara. 
Em silêncio me perguntei se Liboririm me concedera faculdades divinatórias. Imagens de metais em forma de animais vieram dos olhos do médico à minha mente. Sentimentos me diziam que eu me simpatizava com o doutor. Vi-me mentalmente um egaup. Imaginei Rolzi Stemkiv como se ele fosse um reparador, um consertador de metais. Minhas mãos buscaram o chão. Não encontraram o piso. Mal tive tempo para relancear o olhar ao abismo que se formara sob a maca. Uma enorme vontade de ouvir música se lançou sobre mim. Encontrei o silêncio afeiçoado ao cheiro agradável do creme oleoso untado na minha pele. O egaup que eu me imaginara logo se evaporou. A maca na qual me deitara se moveu. Encostou-se na parede clara de sylarts mesomórfico. 
Rolzi Stemkiv desapareceu do meu campo de visão. Repentino, impelido por luzes e pelo calor, comecei a desenhar com o dedo médio da mão esquerda os números 22, 21, 20, 19, 18, 17, 16, 15, 14, 13, 12... Enquanto os números surgiam na parede clara, palavras povoaram o oceano e a ilha. Verbos que se repetiam, depois se multiplicavam. Então se juntavam uns aos outros: caminhar, planar, voar, boiar, rastejar. Apareceu o substantivo masculino Liboririm. Contei quantas letras possui Liboririm. Traduzia rapidamente o liboririnkes para o meu idioma natural, o português do Brasil.
...11, 10... Uma vez para sempre ao desenhar o número que viria regressado tive a impressão de estar saindo, largando o 9. A nave espacial que me seguia se aproximou do meu rosto. Eu precisava ouvir a música dos seus motores. O silêncio mostrou aos meus olhares visionários que a nave espacial se projetava em uma sombra. Era a sombra de um imenso penloayc, a ave da despedida. Ao ver aquele pássaro obtive a medida exata da devoção liboririntática que estava dentro de mim. Meus olhos se tornaram novos. Ao meu coração Eudaips enviara vida. 
O agradável aroma do creme oleoso foi aos poucos se misturando com os ventos que sopravam nas paisagens das distantes músicas liboririntáticas em algum tempo passado. A vida rompera a barreira do silêncio. Ouvi passos leves e úmidos vindos de muito longe. Dei todo o tempo do meu reino ao dosugno. Outra a vez a maca se movimentou. Os passos próximos eram do médico Rolzi Stemkiv. Somente nesse momento percebi que o meu corpo estava conectado a aparelhos virtuais que praticavam comigo uma espécie de emulação, ou seja, aceitavam as minhas entradas e produziam saídas. Essa conectividade causava encontros entre as variadas velocidades liboririntáticas com os meus desiguais motivos humanos. Quem sabe fossem o oceano e a ilha me vestindo, recolando no meu corpo a roupa que eu tirara? 
Sem necessidades extremas de ligeirezas o médico liboririntáqueo foi me soltando daqueles equipamentos avançados da medicina liboririntáquea. Suas avaliações se mostraram quando ele me sorrindo me perguntou:
- Despregado duoef, como vós estais se sentindo?
- Não me sentia assim tão bem desde o tempo terrestre de 19 de Maio de 2015.
O médico Rolzi Stemkiv satisfeito ficou  com o futuro que me encontraria. O tempo proveria as minhas necessidades. Assim seria a caridade de Eudaips. Assim tem sido a misericórdia de Deus. Os tempos nunca estiveram atrasados. E se ficassem se atualizariam assim por diante...
O médico me deixou pronto, apto, preparado. As dores nada me propunham. Terminei de me vestir acalentado pelas músicas de milhões de sinos dourados libertados pelo silêncio. Sem vê-lo me despedi de Rolzi Stemkiv. 
Sai do consultório fechando a porta bem devagar. No corredor escrevi nas paredes números e palavras enquanto nas alturas esperava pelos elevadores.

152º DRUNH, INSEGOGU / O PORTAL DE HONON

Num ato de despedida o projecionista da Sala 9, Quinchi Ho, virou-se ao longe da minha passagem. Sua mudança de sentido não interferiu na direção que eu havia tomado. Achei crível que o liboririntáqueo tentava me comunicar que o turaydo terminara, que o insegogu se iniciara. Tão distante quanto deveria ser o invisível o jovem Quinchi Ho se tornou longevo. Eu não parava de prosseguir. Continuava a me levar por diante. Meus passos eram resolutos. Não coxeavam. Meus olhos eram esquadrinhadores. Não se cegavam.
O mal e o bem entravam no insegogu. O tempo me permitia procurar a saída e salvá-la. Também me consentia o tempo desistir da saída ou matá-la. Calado continuei a existir. Caminhava em um corredor. Pavimento feito de luzes embutidas em eternidades de pequenas pedras. No desenvolver da caminhada as cintilações se intensificaram. Refrações atmosféricas? As pequenas pedras foram surgindo móveis abastecendo-me de imagens fantasiosas de pássaros metalizados. Poderia ser um sinal liboririntático de bons presságios? Não duvidei do sim.
Os pensamentos me provinham de substâncias reconfortantes. Davam-me prazeres quando se esticavam feito flexíveis formas voltando às formas primitivas. Caminhar expandia os pensamentos. A força não caçoava da fraqueza. Os pensamentos iam e vinham. Puros e impuros me obedeciam. Fui feliz em Liboririm e ainda sou liboririntaticamente feliz. A sabedoria liboririntática me ensinara o ser essencial. Preceitos morais envolvidos em parábolas cósmicas? Os caminhos do mal e do bem em trabalho no meu Sistema Nervoso Central. Com afagos e gulodices os pensamentos não cessavam o falatório mental. Diziam-me em pluralizações palavras com extremas velocidades: elasticidade, ações, paparicos, ajudas, pais, Eudaips, Jesus, escolhas, formigas, mulheres, pecados, preguiças, terras, liboririns, conselhos, afastamentos, plantas, semeaduras, colheitas, periferias, simplicidades, autônomos, complexidades, encéfalos, cerebelos...
Não sentia sono. Mantinha-me acordado às reflexões da reflexão. O ambiente liboririntático mesmo aqueles instantes apresentando tendências sufocantes me faziam reagir. Escutava o silêncio perfeitamente bem. Idem as naves espaciais que passavam zunindo do lado de fora das pequenas pedras móveis. Ouvia e interpretava as palavras dos sentimentos. Mãos e face se comportavam nítidas, normais. Deslizava minhas mãos nas pedras e luzes do corredor. Recebia as sensações tácteis e térmicas. O mundo visual do corredor me transportou da experiência visual para o meu próprio timbre de voz.
- Corra devagar Rúbio Talma Pertinax. Não se iniba! Mantenha-se excitado Rúbio Talma Pertinax. Evite as introspecções! -falei comigo mesmo.
A visibilidade aumentou. As pequenas pedras movediças em um único pensamento foram para além dos limites do corredor, o que trouxe a vastidão da claridade para dentro da passagem estreita e comprida. Principalmente os meus olhares e audição foram atraídos aos sinos dependurados nas últimas luzes do inesgotável universo liboririntático que me reconduzia ao planeta Terra.
Em grande júbilo os sinos tangeram várias vezes compondo uma sinfonia repleta de espiritualidade. Desejei parar de andar. Estagnar o meu correr devagar. Entregaria-me total àquela melodia sem mundos. Como se o silêncio que me habitava fosse o eco das palavras ouvi a repetição das palavras que em algum momento dos pensamentos falara para mim mesmo:
- Corra devagar Rúbio Talma Pertinax. Não se iniba! Mantenha-se excitado Rúbio Talma Pertinax. Evite as introspecções!
Outra vez não cessei a caminhada. Os sinos foram se silenciando. Completo silêncio. Uma porta de habateni circulou pela claridade. Passava de um lugar a outro alternando lentidão com velocidade. Agia a porta como se almejasse atrair a minha atenção e consequentemente a minha entrada e uso dos serviços de um habateni. Não conseguiu. Tirei do caminho dos meus pensamentos quaisquer possibilidades defecatórias e urinárias. Se eu entrasse no habateni seria possível o insegogu se paralisar de tal maneira que o tempo dentro do corredor retroageria ou se adiantaria ao tempo que pulsava fora do corredor. Quando a porta do habateni se enfraqueceu na armadilha bem dissimulada as luzes e cores se confessaram hipnotizadoras hipnotizadas. A pausa ou o fim da minha andança se revelou. Das intenções subentendidas meus pensamentos reais se aproximaram dos meus propósitos verdadeiros. O que aconteceria depois?
Alguns passos a mais e saí do Portal de Honon, o corredor. Reconheci a minha saída do portal  como um benefício liboririntático. O suave sentimento de gratidão trouxe à minha presença Ledub Genala, o nong. Viera me prestar as devidas despedidas.
- Ainda sois duoef gratífico duoef. Por que ainda estais a circundar o medo? Já tendes a fé que viestes procurar em Liboririm. Ou além da fé viestes buscar outros pensamentos, sentimentos, tempos não semelhantes, aprendizados abstratos e dissolutos? São variados os caminhos, os passos. É uma despedida poeta, escritor duoef...
Desta, dessa ou daquela maneira o insegogu atravessou o tempo liboririntático trazendo-me às palavras de despedimento do nong. Liboririm ardia no meu humano peito o coração da saudade. Ledub Genala não se calou de um overebut para o outro overebut. Continuou a me dizer mobilizadas palavras do seu sair me cumprimentando.
Breve, rápido e sem imprudências do nong saltou para fora do nong o médico Rolzi Stemkiv, que afetuosamente segurou em minhas mãos.

151º DRUNH, TURAYDO / RETORNO À ETERNA SALA 9

O minodgu terminara.
Em seu lugar surgiu o turaydo dentro da noite que já se tornara longa feito uma amizade iniciada na infância e prolongada sem interrupções. Nunca havia visto coisa igual. O tempo ecoava no turaydo. Sentia-o divulgador das ações que ainda estavam destinadas à minha constância liboririntática. Entre mim e Liboririm ia tudo bem. Eu conseguira compreender e confirmar o fortalecimento que o planeta dos nove sóis me concedera.
Sem dúvida presenciar o tempo liboririntático tomando a forma etereal do turaydo foi inesquecível porque a noite criada pelo wicauf se adicionou à noite natural do Planalto dos Metais que por sua vez não extinguiu as satisfações dos sóis em acender as estrelas. Todas essas imagens maravilhosas e irradiantes foram exibidas na tela da Sala 9.
Continuei quieto a existir no espaço semiescuro da sala. Ao contrário da última vez que na Sala 9 estive não perdi a vontade de conversar. Sem lágrimas, calor ou frio esperei pacientemente a chegada e algum emissário do Comando Apagogia. Ninguém apareceu.
Quando aquela noite em projeção conseguiu se estabelecer na minha mente pronunciei palavras à ventura. Com os requintes da boa sorte pouco a pouco fui percebendo que a minha voz se unia às vozes femininas procedentes da tela da Sala 9. As dúvidas se dissiparam. Mais e mais, maior e maior era a minha vontade de conversar. Assim a minha voz surround se acoplou às vozes, holograma de áudio, de Toa Tlinaw e Oti Tlinaw, gêmeas xifópagas, as cineastas. Nesse tempo tive como resultado o poder de conversar comigo mesmo e com as criadoras daquelas imagens fabulosas. Foi como se eu me achasse dentro do filme e no íntimo das irmãs liboririntáqueas. Nossas conversas giraram nos nove ensinamentos liboririntáticos incluindo a fé, a fome, a sede e o tempo que dura tal aprendizado.

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Oti Tlinaw e Toa Tlinaw. Nesta noite múltipla clareio-me de estabilidade e convicção. As minhas significações e origens relato-as no livro que chamarei de Planeta Liboririm. Por onde andei em Liboririm escrevi a vida que me rodeava e ainda rodeia de esperanças sinceras. Aos nove sóis e às estrelas dedicarei as minhas palavras de saudade. Aos liboririntáqueos consagrarei a minha amizade. Com eles me descobri, chorei e sorri. Confesso que alguns dos liboririntáqueos que encontrei no meu caminho causaram-me calafrios excitantes. Claridades e escuridões guiaram-me no tempo liboririntático. Algumas vezes descrevi o meu coração como uma metalinguagem. Agora o coração metalífero é um substantivo liboririntático.

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Toa Tlinaw e Oti Tlinaw. Não me esqueci que mastigar, engolir e beber em Liboririm não seriam uma regra geral por mais que a natureza liboririntática evitasse a exceção. Mastiguei massa sólida e volumosa de substâncias diversas. Triturei com os dentes partículas cósmicas do amanhecer, do anoitecer, do jamais amanhecer e anoitecer e do que é em Liboririm próprio para se comer. Engoli líquidos dos mais exóticos sabores. Bebi as piores e melhores jivecs brindando a saúde e a poesia da vida.

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Oti Tlinaw e Toa Tlinaw. Para o bem da verdade é importante eu afirmar que as minhas necessidades fisiológicas em Liboririm foram realmente reduzidas. E somente isto foi uma regra!

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Toa Tlinaw e Oti Tlinaw. Perdi e agora sei que reencontrarei o sentido ou sentidos do tempo inerente ao ser humano. Ter vivido os drunhs foi um fato incrível. Sei também que ao chegar o fim do meu último drunh avistarei o planeta Terra. Por conseguinte o drunhoyd não estará mais comigo. Em consequência o meu envelhecimento como no planeta Terra é conhecido não será mais adiado.

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Oti Tlinaw e Toa Tlinaw. Nunca jejuei em Liboririm. Nunca continuei na ignorância de qualquer coisa. Eu jamais me abstive de nada. Minha habilitação liboririntática foi alcançada minhas queridas Toa e Oti Tlinaw. Talvez eu tenha sido o escolhido para viver em Liboririm por causa das minhas paralisadas, inativas aptidões às coisas liboririntáticas. De qualquer forma as ocupações que me foram dadas despertaram estas habilidades e capacidades. Fizeram-me trabalhar e ser merecedor da confiança dos liboririntáqueos. A sociedade liboririntática coordenada pelas orquestrações divinas de Eudaips e pelo Governo Liboririntático ainda me ensina a encontrar os meus afazeres, deveres e direitos. Também encontro os excelsos membros do Conselho Esclabrim e enxergo os custódios Anjos das Pressagias nos caminhos da imensidão deste planeta que aceitei conhecer e completar.

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Oti Tlinaw e Toa Tlinaw. Como se eu possuísse a inteireza liboririntática, como se eu tivesse no meu sistema circulatório a glândula Rizlavrel vivi sensações de prazeres extraordinários. Cheguei ao apogeu - quem me dera ter atingido o Lisukeo - muitas vezes: quando me envolvi sentimentalmente com Andrim Herdzana, a ningeifaxa do amor súbito; nas vezes em que mergulhei no Rio Ojand; nas cenas teatrais da pela Ludom Cnefi onde fui um dos tognos; e quando pilotei solitariamente a nave IMTAGONX ... Foram momentos apogísticos entre tantos outros. Desde o drunh no qual escrevi o aviso que Lonnysna, o zaurtkaya, praticamente me recitara, comecei a caminhar rumo ao planeta Terra passando por novos drunhs, mas em todos eles revivendo de certa forma emoções que sentira nos drunhs que se sucederam ao tempo liboririntático que já havia passado. Entendi sim o que vocês me disseram amadas Oti Tlinaw e Toa Tlinaw.

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Toa Tlinaw e Oti Tlinaw. Meus olhos a tudo procuraram enxergar. O coração registrou a minha mente. A mente narrou o coração. Liboririm me uniu a Liboririm. Meus olhos não duvidaram e não duvidam que Liboririm me avistou e ainda me vê como de tudo o que é o que realmente eu sou. Rúbio Talma Pertinax, o duoef, atou-se a mim.

- Sou o duoef Rúbio Talma Pertinax, Oti Tlinaw e Toa Tlinaw. Em pouco tempo terminarei de vivenciar o 151º drunh da minha permanência em Liboririm. Nós, queridas cineastas, somos agora um ser único de três cabeças. Com diversos liboririntáqueos mantive contato. Os drunhs foram feitos para os liboririntáqueos e não os liboririntáqueos para os drunhs. Aprendi a não perder as acanhadas alegrias enquanto espero a intensa felicidade.

Algumas imagens geológicas e geográficas do planeta Terra foram projetadas na tela da Sala 9. Nossas vozes se separaram. Toa Tlinaw e Oti Tlinaw saíram da minha mente e corpo. Nossa conversa se silenciou. Permaneci sentado fitando a cor branca que voltara à tela.
Ao longe mais longe ainda consegui ver a figura de Quinchi Ho, o projecionista da eterna Sala 9.

150º DRUNH, MINODGU / TÃO NOTURNO AINDA

A verdadeira e original pele, revestimento do corpo, uniu-se com louvor ao tecido celular subcutâneo. As minhas vértebras por um movimento se deslocaram. A dor rápida me fez morder o ar liboririntático. A boca lentamente foi se abrindo. Libertou todo o ar que aprisionara com a mordida. Nada aconteceria de mal com o meu corpo. Eu cabia na pele. A pele cabia em mim. Embora eu os esperasse os efeitos colaterais não vieram. Também não tive efeitos adversos nem dúvidas de que eu estava morando na minha própria pele.
Pretendia alcançar o planeta Terra antes dos próximos e últimos cinco drunhs, mas algo sentimental e racional me autorizou a permanecer ali parado no centro das atenções da Loja Machina de Costura. Talvez a recolocação da pele ainda necessitasse quem sabe de desenho, estímulo e uma cor que estabelecesse o padrão para se chegar à conclusão. Sei que os meus passos deixaram de funcionar por período liboririntático de tempo calculável e incalculável. Não conseguia determinar, contar esse tempo embora percebesse que na Loja Machina de Costura o tempo me imaginava, concebia-me, englobava-me. Reunia os meus pensamentos dispersos no esperar infindável e transitório.
Foi num repente exclamado que senti a pele se transformar perfeita em minha casa. Recebíamos, eu e a pele, a vida do minodgu. Éramos no drunh o drunh que ainda seria. A noite se desenvolvia sem tempo para acabar. Por conseguinte a sentimentalidade e a racionalidade providos de algo motriz me propuseram a andar. Foi o que eu fiz. Andei em todos os sentidos, e em todos os rumos me experimentei conveniente. A Loja Machina de Costura e Luoda Igefem se distanciaram. Tudo se movimentava, girava e saltava. A minha velha pele alegrava o meu coração.
Comecei a inserir nos meus passos saltos e mais saltos. Quanto mais longe eu chegava em relação à Loja Machina de Costura os saltos nasciam mais altos. Meu corpo percorria distâncias admiráveis. Minha mente transpunha espaços intracelulares e vitais. Minodgu, o drunh que nós éramos, injetava-me jovialidade. A alegria insinuante me fazia imaginar um ser nascido em Liboririm. Eu sofria a ação do meus deslocamentos de pulsações veementes. Meus arrebatados pulos naquele tempo liboririntático me davam sensações de irascibilidade. Porém estranhamente não eram sensações coléricas. Eram sensibilidades vivas em amplidão cósmica. Sensibilidades vigorosas e imediatas reações somadas aos aprendizados e velocidades dos saltos me fizeram imaginar um ser liboririntático que nunca se faria realidade. Completamente fruto da minha imaginação minhas palavras se corromperam, danificaram-se. Coloquei-as dentro da nave espacial que eu gozava e desfrutava como se fosse minha. O turbilhão de ideias me excitava e me impelia. Sem constrangimentos viajei para a cidade de Nesemix. 
Em Nesemix procurei a noite. Encontrei-a sob uma abundante chuva. Entreguei à noite as minhas palavras infectadas. Enquanto a vida liboririntática noturna tentava pôr em bom estado as palavras enfermas busquei na tempestade um bys-har onde pudesse imaginar o necessário do possível. Deu-se no bys-har o meu encontro com o liboririntáqueo que eu sonhava.
- O que vós quereis de mim duoef? Vós viestes para me destruir?
O liboririntáqueo que eu dizia ser tudo o que é não possuía nome. Fazia-lhe companhia uma liboririntáquea bonita, sedutora. Trajava um vestido costurado com linhas brilhantes. Usava calçados em cujos solados assentados no chão das nuvens resplandeciam pequeninos círculos de cristais. O liboririntáqueo perfeito e imperfeito se apertava macio no corpo da acompanhante flutuosa. Em alguns momentos ela o chamava de proxeneta. Em outros instantes ela desaparecia nos pelos metálicos do peito do amante. Reaparecia nua e manchada de sangue aos meus olhos de aspirações. A liboririntáquea dos meus sonhos desejou sair do bys-har e das nuvens. Disse ao amante que queria ir a outros lugares, que tinha vontade de ir à Rua Hesb e aos nocriths distantes da cidade de Nesemix.
- Foi para isto que vim até a este bys-har! -gritei aos seres da minha imaginação.
Os pulos e os saltos foram diminuindo até que os meus passos chegaram à normalidade. Uma gargalhada tão perto ouvi. Seria o liboririntáqueo peludo e imaginário? A ruidosa e prolongada risada penetrou em minha pele. Chegou aos meus murmúrios. Quando abandonou os meus sons mal distintos produziu-se na gargalhada outra grande e franca gargalhada. 
O silêncio chegara. Compreendi que eu estava em um deserto. Talvez fossem águas o que eu entendia de deserto. Mas era e ainda é tão certo ser o deserto um lugar solitário e quase sem águas. Subtrai ainda mais as águas. Calculei ainda mais o ermo. Sem espanto identifiquei no desabitado a presença de um óculos de lentes escuras feito a noite. Meus dedos tocaram na minha boca. Perguntei aos óculos:
- Consertastes, colocastes em bom estado as minhas palavras?
Desta vez foi o silêncio que abriu a minha boca e a ocupou com palavras consertadas e novas. De repente dei um salto, o mais alto de todos os saltos que no minodgu eu havia dado. O pulo me conduziu à entrada da Sala 9. Por menos de um foroac aquela noite criara em mim a impressão de ver além das luzes das estrelas as luzes da cidade de Nesemix. O que seria todo aquele silêncio? Influências de um liboririntáqueo desconhecido, estranho e de sua apreciadora nubívaga?
Sem respostas entrei na Sala 9. Sentei-me. O minodgu se arranhava com as semelhanças do fim. Eu me conformava em esperar. A paciência me dizia as suas palavras. Se viessem dores e incômodos eu os suportaria. Se precisasse de resignação eu a teria. Se o término dos meus saltos fosse o objetivo das sucessivas interações do minodgu não perderia a vontade de ser tão noturno ainda. 

149º DRUNH, ABATXEGU / A VELHA PELE E AS VELHAS ROUPAS

Era uma profunda noite azul. Uma noite que teria fim quando o planeta Terra estivesse sob os meus passos e o planeta Liboririm não fosse mais o solo que impulsionava os meus pés. A despedida dos sóis me entristecera. Sabia que não os veria mais. Eles ficariam para sempre no meu coração e memória. 
Não houve muito tempo para observar o local, a paisagem undífera e quase mediévica que me cercava. Tudo ali aconteceu muito rápido. Registrei apenas que os meus pés, articulações, não me causavam dó nem sofrimento, que no caminho encontrara algumas flores, lolesboquias de tamanhos variados, uma rua estreita revestida de chapas de metal e, como disse antes de as lembranças dos nove sóis se multiplicarem no meu coração e mente, fiquei frente a frente com a porta da Loja Machina de Costura.
A totalidade das coisas parecia evitar a chegada do fim. Nada se acovardava diante do se dar ao princípio. Por eu achar que os fatos, as coisas e os encontros liboririntáticos ocorriam em círculos divinos, retas galácticas, minha natureza humana interrogava em curvas o tempo de Liboririm. Meus olhares e gesticulações, velozes que fossem, faziam perguntas aos meus pensamentos muitas vezes exilados nos meus sentimentos. Estabeleci naqueles episódios certos a hipótese de que o meu retorno à Terra se daria como um fenômeno natural. O meu estar em Liboririm jamais foi um modo provisório de fuga da Terra. Nem o meu futuro atingir a Terra seria um feito infinito.
Apoiei-me na porta da Loja Machina de Costura. Firmei-me em seus relevos e reinícios. Havia em todo aquele lugar da noite uma ventania com ares de fogo. A minha pele, que na verdade não era a minha pele e sim uma pele laboratorial liboririntática que me protegia dos ferimentos que a intensidade dos calores dos sóis pudessem me causar, remexeu-se no meu corpo como se me advertisse da encarnação das cinzas. O ardente vento em súbita incredulidade chegou ao fim. A minha respiração se enfraqueceu. Meus olhares em vão buscaram os rios Ojand e Graepia. A solidão poderia construir pontes levadiças reais e imaginárias. Não era a solidão no abatxegu o caminho seguro.
A pele aquecida e avermelhada expulsou do meu corpo as roupas que eu usava. E as roupas se lançaram às alongadas estilhas metalinas em forma de ângulos retos que irrompiam da porta da Loja Machina de Costura. E a porta se abriu puxando com as farpas e com a gola da camisa a pele do meu rosto. Em meus olhos a presença nem sempre evidente do termo final. Eu não poderia estar só! Fazia-me companhia o fim dos planetas? Liboririm me entregava ao seu próprio término? A Terra me procurava no meu autêntico início?
Penetrei na Loja Machina de Costura. Antes que eu fechasse a porta me senti seguido por uma grande jazida saída do chão e que me pareceu ser um enorme metal. O restante das vestimentas virou andrajos de panos. Farrapos da costumeira farda liboririntática se retiraram do corpo seminu deixando-me sem nenhuma dúvida despido.
A enorme jazida sem descansos se partiu. Do seu interior saiu uma correnteza de água que me lavou. Em seguida uma máscara preta com características expressionistas fabricada pelas águas colou-se no meu rosto como se fosse devolver a ele e ao resto do corpo a antiga pele de terráqueo que me revestia. Sem eu sentir calor ou frio a velha pele me tomou por inteiro. Minhas orelhas quietas concordaram com a chegada da velha cútis. Agitado um tanto torci para que aquela máscara escura e expressiva deixasse o meu rosto em paz. Com os olhos vedados pela umidade livrei a minha boca da rigidez da máscara. Afastei-me do silêncio. Levantei os braços em suaves  movimentos.
Talvez estivesse tentando me lembrar dos feitios e cores das minhas roupas originais. Os cabelos voltaram à cor preto. A máscara se desgarrou do rosto. Os cabelos desceram sobre o meu olho esquerdo. Eu ainda era o mesmo Rúbio Talma Pertinax. Meus verbos atuavam nos meus sujeitos. Meus verbos sonhavam nos meus predicativos. E os meus predicativos atribuíam aos sujeitos e aos verbos as extensões liboririntáticas dos sentidos da felicidade. Peles trocadas.
Outras paredes compactas se abriram. Adentrei-me ainda mais na Loja Machina de Costura. Minha vontade fazia a vontade de Eudaips. Deus permanecia em mim. O tempo liboririntático começou a correr veloz. A vida liboririntática escapava das minhas mãos? Sementes de Liboririm estavam plantadas no meu coração. Nu na noite iluminada do interior da Machina de Costura abri um sorriso ao rever Luoda Igefem, a costureira e roupeira, a responsável pela loja. A bela liboririntáquea com a intenção de me vestir penteou os meus cabelos. Depois a falar e a gesticular como se aquela noite, passagem do tempo do abatxegu, fosse uma extraordinária mágica, uma descompassada e natural concentração de minérios que me seguia desde que eu saíra de Yurryczyarx. Não era o meu último drunh em Liboririm, mas as palavras e os gestos de Luoda Igefem fizeram minhas velhas roupas saírem do kavaneure. Também me proporcionaram um espetáculo maravilhoso porque as águas retornaram ao interior da enorme jazida, que se transformou numa bola de fogo que se infiltrou nas estrelas e sumiu... Desapareceu num lugar que eu não tenho lembrança.
Aos poucos Luoda Igefem foi me vestindo com as minhas verdadeiras roupas.
- Movido duoef, a grande jazida nunca foi lolesboquia de tropeço para vós. Há luzes nos vossos olhos, faíscas e asas nos vossos pés. Vós bem sabeis que ainda chegará o drunh do fim da vossa permanência em Liboririm. Mesmo assim, o tempo liboririntático se adiantou e libertou das pastilhas do kavaneure as vossas típicas roupas. Não demorará mais do que seis drunhs o regresso do duoef ao planeta Terra.
- Mas nesses seis drunhs onde irei na noite morar?
- O duoef morará no que é visto pela segunda vez: a vossa velha pele.

148º DRUNH, TXETAGU / A NOITE DO WICAUF

Os olhos nada comparáveis, únicos, que me acompanharam à noite foram os olhos da verdade. A liboririntática realidade me pertencia. Eu era uma porção dos sonhos que não me rasgavam. Eu fazia parte dos sonhos que não me cortaram dos longos caminhos sem crises e sem rupturas de equilíbrios. Caminhos que eu haveria de percorrer até que a noite me envolvesse. Encantado descobriria a pergunta caso ela realmente existisse. Deixando-a à vista escreveria a resposta se resposta houvesse na evidência, na precisão dos olhares que me protegiam.
Tanto tempo se passara desde que sem despedidas me separei do wicauf. Lembrava-me dos seus modos, dizeres, movimentos encantadores, nutritivos, que me marcaram de almas e livres saudades. Os caminhos não pediam perdão às saudades. Eu também não! Hesitava-me ao lembrar das canções cantadas por Terima Ansom. Qual das canções era a mais bonita?
A todos que eu fosse encontrar no restante da minha vida, a todas as pessoas que me perguntassem qualquer coisa, que despretensiosamente me preenchessem de acasos, a todos os seres de almas leitoras de almas, aos senhores e aos escravos, às solidões e às mídias eu contaria as verdades de Liboririm. Qual das verdades de Liboririm era a mais estimulante?
Os caminhos por onde eu passava, grandes extensões e vários sentidos, me animavam. Desinibido pisava nos pedregulhos agitados. Os passos provocavam euforia no chão. Delírios deliciosos me faziam respirar. Desejava que o tempo me transpirasse. Meus lábios não estavam queimados. Os sóis no futuro, nos drunhs, brilhariam para sempre na chegada sem costura da noite.
Meus sentimentos à flor da pele me disseram que a canção mais bonita de Terima Ansom era a canção das naves espaciais que favoreciam o desenvolvimento de Liboririm e cruzavam as noites no Planalto dos Metais. Voando no chão e no céu dos caminhos avistei, achei por acaso, apresentaram-se inesperadas espaçonaves liboririntáticas que bailavam no firmamento por todos os lados e profundidades de portas e janelas do cosmo. Constituíam-se em veículos exploradores do espaço. Tinham as mais diversas formas e tamanhos. Faziam-me entender que alguns deles partiam de Liboririm, outros chegavam a Liboririm. Naveguei nos meus interiores emocionais. Emoções que tomaram conta dos meus pensamentos, que não abandonaram as ebulições. Simplesmente os sentimentos invadiram as borbulhas dos pensamentos. Senti que estar próximo da noite inventada pelo wicauf poderia ser um pensamento decidido e definido pelos órgãos públicos liboririntáticos e não pelos sentimentos perseverantes, resolutos, emanados pelas minhas verdades. Nesse momento, nessa ocasião a roupa que me vestia se moveu no meu corpo de uma maneira tão diferente que as excitações oferecidas à pele que me cobria quase me fizeram crer que os liboririntáqueos lutavam contra mim. Não para me vencer. Sim para me proteger. Fragmento incandescente de pensamento em contato com fulgores dos sentimentos. Sem saber definir aqueles acontecimentos no meu corpo e alma procurei não parar de caminhar. Meu espírito viajou à esfera do meu pensamento e às estrelas do meu sentimento. O longe se levantou no perto. Mostrou-me a multiplicação das pedras. Levou-me às entranhas do perto. Meus olhos me viram no interior de uma espaçonave grande que a cada passo do meu chegar à noite se transformava numa espaçonave pequena. Quando a exiguidade da nave a fez pó eu me levantei do longe. Vi a porta de entrada da noite alcançada. Yurryczyarx, cidade liboririntaticamente longínqua, ficou mais longínqua. E pela última vez olhei para trás. Vi e senti os cheiros dos sóis.
Passei pela porta. A noite me agarrou seduzindo-me nas sombras novas. Entreguei-me às poderosas e repentinas ventanias. Sentimentos viajaram aos pensamentos. Segui os ventos. 
Além das estrelas outra nave, uma gigantesca nave, pairou sobre a minha cabeça. Revestia esta espaçonave uma nuvem de feixes que se moviam de um modo organizado. Imaginei ser inimaginável as interconexões que garantiam o funcionamento daquela cosmonave. Sob as energias da nave avistei uma parede iluminada por única blemedk. Atraído pela falta de hesitações que me pontuava passei para o outro lado aproveitando o furo, o buraco, a abertura feita na parede por raios projetados pela admirável espaçonave. Fortalezas ou loucuras poderiam estar à minha espera. Antes de o meu coração pintar em relevo as loucuras ouvi nos meus pensamentos a voz do wicauf.
- O Liboririm como justo!
Ou seria o sopro dos ventos? A voz e o sopro se irmanaram sem renúncias.
- Afável duoef, nada de tristezas! Será uma despedida sem lágrimas.
Ao atravessar a parede percebi que chegara a um local repleto de liboririntáqueos que por mais que eu abrisse os olhos da verdade não conseguiria enxergá-los. Com um pouco mais de tempo entendi não estar por exemplo em uma rua embora até sem saber explicar para mim mesmo compreendia que sentia aromas de cidades. Usei o tempo restante do pouco mais de tempo para rogar a Eudaips, ao wicauf, aos ventos a vida renovada, a encarnação das palavras e a confirmação liboririntática do planeta Terra. Erwtiryzus escaparam das roupas. Movimentaram os meus risos. A rir dessa maneira sabia que os liboririntáqueos conseguiam me ver.
- Afável duoef, nada de tristezas! Esta é uma despedida sem lágrimas. Colocai as vossas mãos sobre mim.
Causando-me admiração, de maneira inacreditável a ventania como se possuísse chifres se infiltrou nas vísceras da parede iluminada apenas por uma blemedk destruindo sob as estrelas o muro. A persistente enorme nave espacial pairada sobre a minha cabeça me recolheu daquele lugar e nos infinitos da mesma noite fez o voo ficar mais alto.
Dentro da nave o tempo incidia sobre todas as coisas que eu sentia e pensava. Era como se dentro e fora de mim os drunhs estivessem breves a se misturar; estivessem se misturando; e estivessem distantes de se misturar. Meus sonhos liboririntáticos também necessitavam de palavras. Não cantaria mais o fim das canções de Terima Ansom, a cantora da cavidade vermelha. Vozes das palavras se mesclaram às fantasias instrumentais. Telúrico como se preparasse minha casa para receber o abatxegu que viria do tempo, das estrelas, sentidos, significados coloquei as minhas mãos sobre meu corpo e alma.
A persistente e enorme nave espacial pairada sobre a minha cabeça me recolheu daquele lugar e nos infinitos da noite e ainda txetagu a mesma nave fez o voo ficar mais alto. Encontrei no interior da nave uma parede iluminada por uma única blemedk. Minha roupa se movimentou de uma maneira tão diferente que meu corpo se projetou em direção da blemedk que era só uma.
Fiquei frente a frente com a porta de entrada da Loja Machina de Costura.

147º DRUNH, INQUAGU / O LIBORIRIM COMO JUSTO!

- O que é isto tudo? -indaguei a mim mesmo visto que a casa do wicauf se tornara uma subitânea nuvem de aspecto fibroso, escura, do tipo cúmulo-nimbo, que se desenvolvia verticalmente ganhando alturas, ampliando-se sobre Yurryczyarx.
Meus pés existiam sobre o chão amarelento da cidade. A casa do wicauf subia e se expandia nas sombras que ela mesma criava. Os overebuts retiravam do solo a cor dos sóis. Os nove astros foram tomados por ventos e úmida escureza.
- Para mim que sou humano isto tudo é impossível! Para os liboririntáqueos tudo isto é possível! -gritei para mim mesmo visto que os edifícios foram engolidos pela intensa, torrencial chuva que despencou em Yurryczyarx.
Águas caudalosas, donas de vários tempos e que por incrível que pareça me consolaram. Suavizaram o ímpeto da aflição que em mim se iniciara quando no início do inquagu procurei pelo wicauf e não o encontrei em parte nenhuma da casa e do ervaçal. A ausência do wicauf poderia se transformar em revés, em adversidade. Mantive a serenidade. Porém a cada passagem do crescimento e desenvolvimento da nuvem escura se duplicava a ausência: a casa e o wicauf. Se eu tivesse nascido em Liboririm talvez fosse provável que nada naquele drunh aconteceria comigo. O fato de eu ser um terráqueo me fazia sobreviver em Liboririm? O que era mais próximo da vida: gerar, nascer ou resistir, sobreviver? 
Enquanto sem anestesias ainda buscava respostas percebi que na verdade aquela tempestade viera para me consolar. Além de ter sido chamado para estar em Liboririm eu fora um escolhido. Levei-me às águas da chuva. Avancei às ruas de Yurryczyarx. Mesmo sem vê-lo senti que o wicauf me auxiliava.
- O Liboririm como justo!
Sem simbolismos cruzei com liboririntáqueos nas esquinas submersas de Yurryczyarx. Diziam-me, avisaram-me os liboririntáqueos que os rios Ojand e Graepia estavam a transbordar, que eu traduzisse aquelas águas fluentes como lágrimas do povo liboririntático que se despedia de Rúbio Talma Pertinax, o abduzido do planeta Terra, o poeta retornado.
Doces eram os sóis liboririntáticos. Com toda a alma e com toda a mente eu os amava. Quanto mais nas esquinas e ruas alagadas eu encontrava com liboririntáqueos mais os sóis ressurgiam no céu de Yurryczyarx. Haveria uma medida certa para os meus encontros naqueles momentos do inquagu? 
Deixei que os nove sóis me respondessem porque os liboririntáqueos eram agora uma multidão ao meu redor. A tempestade mitigadora acabara. Sentia-me consolado. A cidade descobria outra vez os brilhos de onde iríamos, eu e os liboririntáqueos, parar. A população de Yurryczyarx provocava alaridos, clamores de vozes reunidas. Empolguei-me com aquela súbita reunião. Respeitoso e acatador me lembrei da chave que drunhs atrás me esperava dependurada na porta principal do Hospital Tsahto Solex. A chave da colorida casa do wicauf. 
De fora passei para dentro da grande quantidade de liboririntáqueos que se dirigiam ao ongroukasium com o objetivo de assistir o show da cantora da cavidade vermelha.
- Por Eudaips, não me contenho de alegria ao saber que tenho uma segunda vez da voz belíssima de Terima Ansom. -disse isto a mim mesmo, E ainda falo isto todas as vezes que me vem à memória, analogia ou semelhança, o meu tempo liboririntático.
No meio dos liboririntáqueos caminhei rumo ao gigantesco ongroukasium. Durante o percurso meus sentimentos encontraram flores subaquáticas. Meus pensamentos construíram a memória de uma noite em que assisti em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Terra um show do cantor Milton Nascimento. Fez-me companhia um amigo músico chamado Loreno Kenit Diniz. Após o show ainda fomos a uma festa na casa de uma amiga em comum.
Sem saber com exatidão a distância e o tempo que teríamos de percorrer até o ongroukasium nada eu sabia ou imaginava do que esses meus pensamentos construiriam...
Antes de chegarmos ao local do show uma espaçonave sobrevoou com talento, persuasão, deleite, emoção a cidade de Yurryczyarx.
- Olhem! É a nave de Terima Ansom! Sim! É Terima Ansom quem está no seu interior! Nunca me esqueci daquela nave que chamei um drunh de Leque Voador! -bradei como se Yurryczyarx fosse o reino, os liboririntáqueos fossem os súditos, a nave a magia, ongroukasium o palácio, Terima Ansom a princesa e eu o passado.
No restante do trajeto meus pensamentos me sugeriram construções de frases soltas no espaço, frases delirantes, umas até sem sentidos, sem cadência, vazias, anacolúticas.
- "...cada setor tem seu tiro na escravidão..."; "...quem prossegue o feio eu sei cortar jilós..."; "...meu pai na verdade estava à procura do rabino..."; "...basicamente concreto, alturas e espaçonaves paradas..."; "...isto tem cálculos sem ganhos sociais..."; "...acordo sem concorrências e as práticas maiores do nefasto..."; "...escolhem avaliações comendo saltos trêmulos..."; "...só quero explodir a falta de planos..."; "...nada me preenche na carne para o jantar..."; "...ainda de pestanas volto de arco e flecha ao anátema...".
Quando o ato de ir de um lugar a outro se encerrou meu corpo entrou num dos mais belos palcos musicais de Liboririm. Em silêncio os liboririntáqueos preencheram as arquibancadas do ongroukasium. Silêncio rompido pela explosão vocal, modo liboririntático de dizer sobre o céu maior dos instrumentos musicais e da voz da cantora da cavidade vermelha.
No princípio da última parte do show, momento no qual o cenário se consume em labaredas cósmicas produzidas por um antílope voador liboririntático e cenográfico minha visão se rareou tornando-se menos espessa, menos densa, menos intensa. Mesmo sem espelhos senti a minha fronte devassada. Ao redor do meu corpo a multidão de adoradores de Terima Ansom se converteu em manifestações que não deixaram luzes nem olhares as atravessarem. Minha visão se mostrou turva. A nitidez se convergiu unicamente para o antílope de metal, as chamas do cenário e a figura de Terima Ansom. Escutei as músicas finais com clareza. E sem perder a força e o vigor, com o céu perto de mim, deixei de enxergar os liboririntáqueos. Ausentou-me a profusão liboririntática. Ongroukasium se mostrou vazio. Yurryczyarx se apresentou vazia. Os vazios se vestiram de fim do show da cantora da cavidade vermelha. Não me deixaram feliz ou infeliz. Meus sentimentos permaneceram inteiros. Os pensamentos se largaram, separaram-se das frases soltas no espaço. Passaram ao exercício da compreensão da divina, diurna e noturnal existência liboririntática. Nesemix e Yurryczyarx, cada cidade ocupando um presente de tempos diferentes, buscaram o meu tato e a minha visão. Passei as mãos no rosto. Experimentei a sensação de ser o meu rosto - silêncio absoluto - uma metalizada árvore cujas folhas possuíam o formato de estrelas.
- Destino? Sorte? Fado? Poder sobrenatural? Quem poderia me responder?
- Temporário duoef, nós, os liboririntáqueos, crentes em Eudaips, nunca vos esqueceremos. O duoef não mais consegue nos ver porque como foi no princípio assim será no fim. Afirmo-vos que não sou apenas um. Sou a pluralidade, a multiplicidade liboririntática. Por vossa própria escolha táctil, racional e subjetiva haverá nos próximos oito drunhs uma noite estrelada no horizonte de Yurryczyarx. Uma noite apenas visível para Rúbio Talma Pertinax. O duoef deverá caminhar em direção desta visão, desta noite. Assim deixareis o sinal de abduzido e entrareis no planeta Terra, o vosso regresso. O Liboririm como justo!
As minhas mãos se ergueram. Outra vez procuraram - silêncio relativo - a metalizada árvore de folhas em forma de estrelas. A árvore voara ao indefinido espaço da Esfera Brilhante e fez surgir no firmamento de Yurryczyarx a noite estrelada narrada pela voz multíplice incapaz de sair dos meus sentimentos e pensamentos. Restavam-me os ecos das canções de Terima Ansom. Eu caminharia até aquela noite. Sabia que seria um processo longo, exaustivo e com certeza fantástico. Uma caminhada que faria o sim imaginar o futuro.


146º DRUNH, TRAREGU / O SEGUNDO DRUNH NA CASA DO WICAUF

Certas coisas durariam para sempre. Outras coisas não persistiriam tanto tempo assim. Pedi a Eudaips que me salvasse da extrusão. Não queria de forma alguma ser expulso de Liboririm. Imaginava, pensava, calculava retornar à Terra levando comigo relíquias liboririntáticas da saudade. E quando saísse da nave espacial depois de viajar, perfazer, percorrer a órbita mais alta liboririntática e ter atravessado galáxias, ter atingido a trajetória elipsoide descrita pela Terra no seu movimento de transladação ao redor do sol que conhecemos, ficaria entregue às mãos dos humanos. Seria essa nave, esse disco voador, a ALAOT-155? Certas coisas não durariam tanto tempo assim. Outras coisas durariam para sempre. Fantasiei, supus, avaliei também as coisas que nunca existirão, as coisas que existiram e que voltarão a existir.
- Conservado duoef, o Liboririm como justo! Vejo que tão perto tão longe o duoef já está de pé, acordado feito as urdiduras dos drunhs que o tempo entrelaça nele mesmo. O vosso aspecto está ótimo meu prezado hóspede terráqueo calculador.
Os olhos do wicauf se abriram imensos. Refletiram-me numa imagem nítida. Observei-me nas paredes coloridas da casa do wicauf. Constante me vi nas profunduras do Rio Ojand cercado por volumosos alevinos que me garantiam sentimentos de alegria. Era como se a liberdade nunca tivesse se extraviado de mim.
- Predito duoef, o Liboririm como justo! Meus olhos vos fornecem encontros com exercícios experimentais de libertação. A minha casa, interiores e exteriores, está ao vosso inteiro dispor. Percorra-a. Encontre palavras, diagramas, rotas de fugas e de permanências, epílogos e prólogos, a física e a química, a obnubilação e a clareza veloz dos pensamentos. Tomarei obstinado o rumo central de Yurryczyarx.
As palavras do wicauf se mostraram para mim sons de ordens. Intensificaram raízes e asas. Movi-me pela casa como se em nuvens caminhasse nos céus liboririntáticos e terreais. Senti que a casa do wicauf era possuidora de felicidade. Com ou sem fim li na sua arquitetura uma alegria sem sofismas. Seria o wicauf um liboririntático presciente?
Das claridades solares que pintavam as paredes e do conhecimento daquela casa apalpei figuras angelicais e seres de idades avançadas. Anjos e anciões de almas portadoras da paz. Mas antes, possivelmente bem antes das minhas apalpações nas etéreas e elevadas peles dos intermediários celestiais, nas rugosas e engelhadas peles dos experientes e respeitáveis membros do Esclabrim, fui de encontro ao quintal da casa, que na verdade era um portal condutor ao ervaçal do wicauf. Imediato vi um brilhante suporte para pequenos objetos recortado em ângulos como se tivesse sido feito de esguelha. Sobre o console o wicauf deixara uma garrafa que decifrei como sendo uma jarra de vidro prestes a me servir partes do seu liquefeito conteúdo. Simplesmente assim aconteceu. Bebi em rápidas talagadas o líquido aromático contido no vasilhame. A princípio pensei que fosse chá de drevaci-irare porque sem mais nem menos passei a ouvir os sons do meu coração me rejeitando nos sons provenientes de alguma coisa que existia no coração de quem eu amava infinitamente: o planeta Liboririm. Meus olhares interpretados verdes subiram aos sóis. No céu de Yurryczyarx encontrei quatro pássaros sobrevoando a casa do wicauf. Seriam esses pássaros dèjá vu, perdões, levezas encarquilhadas de todos os corações?
Temi que traregu, o segundo drunh que eu passava com o wicauf, fosse mais rápido do que as minhas velozes talagadas no líquido aromático contido no brilhante vasilhame além disso também decifrado verde. No meio das coisas existentes no ervaçal descobri ou imaginei calcular que havia sob as ervas plantadas uma seção de tubos que constituíam uma rede de canalização. Sem a cidade de Yurryczyarx ser tomada por nuvens escuras uma chuva desabou sobre a minha cabeça tão envolvida com as palavras que despencavam, saltavam e se soltavam dos nove sóis liboririntáticos. Assim eu já não era dois porque as águas naturais do Rio Ojand em algum momento eterno do possível da experiência da razão se encontrariam com as águas calculadas do Rio Graepia formando o vonnarawwatc, e eu me transformaria - o Liboririm como justo! - em um só ser, uma só carne, um liboririntáqueo de convicções concretas. Seria o meio das coisas a inexistência do fim?
Imaginei que o quando o wicauf retornasse à sua casa vindo das ruas centrais de Yurryczyarx iria se deparar comigo esparramado no solo do ervaçal. Provavelmente meus pensamentos seriam achados em forma de gotas de suores. Não era ainda o fim. Mas seria o fim que me aceitaria da mesma maneira que Liboririm me aceitava. Então eu, Rúbio Talma Pertinax, voltaria a ser dois porque o Liboririm como justo me conduziria à Terra. Porém compreendia esparramado no solo do ervaçal que o reino liboririntático dos céus se fixaria nas minhas vocações e memórias porque eu era como eles, os liboririntáqueos das águas dos nove sóis.
- Concedido duoef, o Liboririm como justo! Eis-me de volta ao ervaçal. Viestes de tão longe. Permanecestes tão perto. Meu entendimento, juízo, penetra na vossa linguagem. Vosso coração é aceito pelo justeza de Liboririm. Ah, não bebestes chá de drevaci-irare. Tanto a Esfera Escura quanto a Fonte Xadeicon estão bem distantes de Yurryczyarx assim como o duoef que empiricamente talvez longe já esteja. Bebestes infusão de stiwdean, erva que possui poderes lisérgicos, alucinógenos e que influenciam as percepções acerca do universo psico-afetivo do alienígena ou do abduzido, se preferir que eu vos chame assim. Para nós, liboririntáqueos, a ingestão de stiwdean  causa somente o aprimoramento dos relaxamentos musculares.
O traregu continuou a existir nas coisas ensolaradas do tempo liboririntático. Em algum lugar de Liboririm poderia estar chovendo naquele overebut. O wicauf voltara à casa antes e depois da chuva idealizada. Simples aconteceu o momento que me levantei do ervaçal. Talvez o traregu não mais existisse quando o wicauf se antecipando ao inquagu, o drunh que ainda surgiria, despediu-se de mim.
- Indivisível duoef, o Liboririm como justo! Se quiseres entrar na chuva atento a observe. Logo este traregu deixará de existir. Em todo o planeta chegará o inquagu, o novo drunh que trará a chuva. As águas cairão em grande abundância. Os rios Ojand e Graepia transbordarão. Extravasarão as saudades que os liboririntáqueos começarão a sentir porque a partir do inquagu prestes a chegar se iniciará a existência dos últimos nove drunhs da realidade do duoef em Liboririm.