147º DRUNH, INQUAGU / O LIBORIRIM COMO JUSTO!

- O que é isto tudo? -indaguei a mim mesmo visto que a casa do wicauf se tornara uma subitânea nuvem de aspecto fibroso, escura, do tipo cúmulo-nimbo, que se desenvolvia verticalmente ganhando alturas, ampliando-se sobre Yurryczyarx.
Meus pés existiam sobre o chão amarelento da cidade. A casa do wicauf subia e se expandia nas sombras que ela mesma criava. Os overebuts retiravam do solo a cor dos sóis. Os nove astros foram tomados por ventos e úmida escureza.
- Para mim que sou humano isto tudo é impossível! Para os liboririntáqueos tudo isto é possível! -gritei para mim mesmo visto que os edifícios foram engolidos pela intensa, torrencial chuva que despencou em Yurryczyarx.
Águas caudalosas, donas de vários tempos e que por incrível que pareça me consolaram. Suavizaram o ímpeto da aflição que em mim se iniciara quando no início do inquagu procurei pelo wicauf e não o encontrei em parte nenhuma da casa e do ervaçal. A ausência do wicauf poderia se transformar em revés, em adversidade. Mantive a serenidade. Porém a cada passagem do crescimento e desenvolvimento da nuvem escura se duplicava a ausência: a casa e o wicauf. Se eu tivesse nascido em Liboririm talvez fosse provável que nada naquele drunh aconteceria comigo. O fato de eu ser um terráqueo me fazia sobreviver em Liboririm? O que era mais próximo da vida: gerar, nascer ou resistir, sobreviver? 
Enquanto sem anestesias ainda buscava respostas percebi que na verdade aquela tempestade viera para me consolar. Além de ter sido chamado para estar em Liboririm eu fora um escolhido. Levei-me às águas da chuva. Avancei às ruas de Yurryczyarx. Mesmo sem vê-lo senti que o wicauf me auxiliava.
- O Liboririm como justo!
Sem simbolismos cruzei com liboririntáqueos nas esquinas submersas de Yurryczyarx. Diziam-me, avisaram-me os liboririntáqueos que os rios Ojand e Graepia estavam a transbordar, que eu traduzisse aquelas águas fluentes como lágrimas do povo liboririntático que se despedia de Rúbio Talma Pertinax, o abduzido do planeta Terra, o poeta retornado.
Doces eram os sóis liboririntáticos. Com toda a alma e com toda a mente eu os amava. Quanto mais nas esquinas e ruas alagadas eu encontrava com liboririntáqueos mais os sóis ressurgiam no céu de Yurryczyarx. Haveria uma medida certa para os meus encontros naqueles momentos do inquagu? 
Deixei que os nove sóis me respondessem porque os liboririntáqueos eram agora uma multidão ao meu redor. A tempestade mitigadora acabara. Sentia-me consolado. A cidade descobria outra vez os brilhos de onde iríamos, eu e os liboririntáqueos, parar. A população de Yurryczyarx provocava alaridos, clamores de vozes reunidas. Empolguei-me com aquela súbita reunião. Respeitoso e acatador me lembrei da chave que drunhs atrás me esperava dependurada na porta principal do Hospital Tsahto Solex. A chave da colorida casa do wicauf. 
De fora passei para dentro da grande quantidade de liboririntáqueos que se dirigiam ao ongroukasium com o objetivo de assistir o show da cantora da cavidade vermelha.
- Por Eudaips, não me contenho de alegria ao saber que tenho uma segunda vez da voz belíssima de Terima Ansom. -disse isto a mim mesmo, E ainda falo isto todas as vezes que me vem à memória, analogia ou semelhança, o meu tempo liboririntático.
No meio dos liboririntáqueos caminhei rumo ao gigantesco ongroukasium. Durante o percurso meus sentimentos encontraram flores subaquáticas. Meus pensamentos construíram a memória de uma noite em que assisti em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Terra um show do cantor Milton Nascimento. Fez-me companhia um amigo músico chamado Loreno Kenit Diniz. Após o show ainda fomos a uma festa na casa de uma amiga em comum.
Sem saber com exatidão a distância e o tempo que teríamos de percorrer até o ongroukasium nada eu sabia ou imaginava do que esses meus pensamentos construiriam...
Antes de chegarmos ao local do show uma espaçonave sobrevoou com talento, persuasão, deleite, emoção a cidade de Yurryczyarx.
- Olhem! É a nave de Terima Ansom! Sim! É Terima Ansom quem está no seu interior! Nunca me esqueci daquela nave que chamei um drunh de Leque Voador! -bradei como se Yurryczyarx fosse o reino, os liboririntáqueos fossem os súditos, a nave a magia, ongroukasium o palácio, Terima Ansom a princesa e eu o passado.
No restante do trajeto meus pensamentos me sugeriram construções de frases soltas no espaço, frases delirantes, umas até sem sentidos, sem cadência, vazias, anacolúticas.
- "...cada setor tem seu tiro na escravidão..."; "...quem prossegue o feio eu sei cortar jilós..."; "...meu pai na verdade estava à procura do rabino..."; "...basicamente concreto, alturas e espaçonaves paradas..."; "...isto tem cálculos sem ganhos sociais..."; "...acordo sem concorrências e as práticas maiores do nefasto..."; "...escolhem avaliações comendo saltos trêmulos..."; "...só quero explodir a falta de planos..."; "...nada me preenche na carne para o jantar..."; "...ainda de pestanas volto de arco e flecha ao anátema...".
Quando o ato de ir de um lugar a outro se encerrou meu corpo entrou num dos mais belos palcos musicais de Liboririm. Em silêncio os liboririntáqueos preencheram as arquibancadas do ongroukasium. Silêncio rompido pela explosão vocal, modo liboririntático de dizer sobre o céu maior dos instrumentos musicais e da voz da cantora da cavidade vermelha.
No princípio da última parte do show, momento no qual o cenário se consume em labaredas cósmicas produzidas por um antílope voador liboririntático e cenográfico minha visão se rareou tornando-se menos espessa, menos densa, menos intensa. Mesmo sem espelhos senti a minha fronte devassada. Ao redor do meu corpo a multidão de adoradores de Terima Ansom se converteu em manifestações que não deixaram luzes nem olhares as atravessarem. Minha visão se mostrou turva. A nitidez se convergiu unicamente para o antílope de metal, as chamas do cenário e a figura de Terima Ansom. Escutei as músicas finais com clareza. E sem perder a força e o vigor, com o céu perto de mim, deixei de enxergar os liboririntáqueos. Ausentou-me a profusão liboririntática. Ongroukasium se mostrou vazio. Yurryczyarx se apresentou vazia. Os vazios se vestiram de fim do show da cantora da cavidade vermelha. Não me deixaram feliz ou infeliz. Meus sentimentos permaneceram inteiros. Os pensamentos se largaram, separaram-se das frases soltas no espaço. Passaram ao exercício da compreensão da divina, diurna e noturnal existência liboririntática. Nesemix e Yurryczyarx, cada cidade ocupando um presente de tempos diferentes, buscaram o meu tato e a minha visão. Passei as mãos no rosto. Experimentei a sensação de ser o meu rosto - silêncio absoluto - uma metalizada árvore cujas folhas possuíam o formato de estrelas.
- Destino? Sorte? Fado? Poder sobrenatural? Quem poderia me responder?
- Temporário duoef, nós, os liboririntáqueos, crentes em Eudaips, nunca vos esqueceremos. O duoef não mais consegue nos ver porque como foi no princípio assim será no fim. Afirmo-vos que não sou apenas um. Sou a pluralidade, a multiplicidade liboririntática. Por vossa própria escolha táctil, racional e subjetiva haverá nos próximos oito drunhs uma noite estrelada no horizonte de Yurryczyarx. Uma noite apenas visível para Rúbio Talma Pertinax. O duoef deverá caminhar em direção desta visão, desta noite. Assim deixareis o sinal de abduzido e entrareis no planeta Terra, o vosso regresso. O Liboririm como justo!
As minhas mãos se ergueram. Outra vez procuraram - silêncio relativo - a metalizada árvore de folhas em forma de estrelas. A árvore voara ao indefinido espaço da Esfera Brilhante e fez surgir no firmamento de Yurryczyarx a noite estrelada narrada pela voz multíplice incapaz de sair dos meus sentimentos e pensamentos. Restavam-me os ecos das canções de Terima Ansom. Eu caminharia até aquela noite. Sabia que seria um processo longo, exaustivo e com certeza fantástico. Uma caminhada que faria o sim imaginar o futuro.