149º DRUNH, ABATXEGU / A VELHA PELE E AS VELHAS ROUPAS

Era uma profunda noite azul. Uma noite que teria fim quando o planeta Terra estivesse sob os meus passos e o planeta Liboririm não fosse mais o solo que impulsionava os meus pés. A despedida dos sóis me entristecera. Sabia que não os veria mais. Eles ficariam para sempre no meu coração e memória. 
Não houve muito tempo para observar o local, a paisagem undífera e quase mediévica que me cercava. Tudo ali aconteceu muito rápido. Registrei apenas que os meus pés, articulações, não me causavam dó nem sofrimento, que no caminho encontrara algumas flores, lolesboquias de tamanhos variados, uma rua estreita revestida de chapas de metal e, como disse antes de as lembranças dos nove sóis se multiplicarem no meu coração e mente, fiquei frente a frente com a porta da Loja Machina de Costura.
A totalidade das coisas parecia evitar a chegada do fim. Nada se acovardava diante do se dar ao princípio. Por eu achar que os fatos, as coisas e os encontros liboririntáticos ocorriam em círculos divinos, retas galácticas, minha natureza humana interrogava em curvas o tempo de Liboririm. Meus olhares e gesticulações, velozes que fossem, faziam perguntas aos meus pensamentos muitas vezes exilados nos meus sentimentos. Estabeleci naqueles episódios certos a hipótese de que o meu retorno à Terra se daria como um fenômeno natural. O meu estar em Liboririm jamais foi um modo provisório de fuga da Terra. Nem o meu futuro atingir a Terra seria um feito infinito.
Apoiei-me na porta da Loja Machina de Costura. Firmei-me em seus relevos e reinícios. Havia em todo aquele lugar da noite uma ventania com ares de fogo. A minha pele, que na verdade não era a minha pele e sim uma pele laboratorial liboririntática que me protegia dos ferimentos que a intensidade dos calores dos sóis pudessem me causar, remexeu-se no meu corpo como se me advertisse da encarnação das cinzas. O ardente vento em súbita incredulidade chegou ao fim. A minha respiração se enfraqueceu. Meus olhares em vão buscaram os rios Ojand e Graepia. A solidão poderia construir pontes levadiças reais e imaginárias. Não era a solidão no abatxegu o caminho seguro.
A pele aquecida e avermelhada expulsou do meu corpo as roupas que eu usava. E as roupas se lançaram às alongadas estilhas metalinas em forma de ângulos retos que irrompiam da porta da Loja Machina de Costura. E a porta se abriu puxando com as farpas e com a gola da camisa a pele do meu rosto. Em meus olhos a presença nem sempre evidente do termo final. Eu não poderia estar só! Fazia-me companhia o fim dos planetas? Liboririm me entregava ao seu próprio término? A Terra me procurava no meu autêntico início?
Penetrei na Loja Machina de Costura. Antes que eu fechasse a porta me senti seguido por uma grande jazida saída do chão e que me pareceu ser um enorme metal. O restante das vestimentas virou andrajos de panos. Farrapos da costumeira farda liboririntática se retiraram do corpo seminu deixando-me sem nenhuma dúvida despido.
A enorme jazida sem descansos se partiu. Do seu interior saiu uma correnteza de água que me lavou. Em seguida uma máscara preta com características expressionistas fabricada pelas águas colou-se no meu rosto como se fosse devolver a ele e ao resto do corpo a antiga pele de terráqueo que me revestia. Sem eu sentir calor ou frio a velha pele me tomou por inteiro. Minhas orelhas quietas concordaram com a chegada da velha cútis. Agitado um tanto torci para que aquela máscara escura e expressiva deixasse o meu rosto em paz. Com os olhos vedados pela umidade livrei a minha boca da rigidez da máscara. Afastei-me do silêncio. Levantei os braços em suaves  movimentos.
Talvez estivesse tentando me lembrar dos feitios e cores das minhas roupas originais. Os cabelos voltaram à cor preto. A máscara se desgarrou do rosto. Os cabelos desceram sobre o meu olho esquerdo. Eu ainda era o mesmo Rúbio Talma Pertinax. Meus verbos atuavam nos meus sujeitos. Meus verbos sonhavam nos meus predicativos. E os meus predicativos atribuíam aos sujeitos e aos verbos as extensões liboririntáticas dos sentidos da felicidade. Peles trocadas.
Outras paredes compactas se abriram. Adentrei-me ainda mais na Loja Machina de Costura. Minha vontade fazia a vontade de Eudaips. Deus permanecia em mim. O tempo liboririntático começou a correr veloz. A vida liboririntática escapava das minhas mãos? Sementes de Liboririm estavam plantadas no meu coração. Nu na noite iluminada do interior da Machina de Costura abri um sorriso ao rever Luoda Igefem, a costureira e roupeira, a responsável pela loja. A bela liboririntáquea com a intenção de me vestir penteou os meus cabelos. Depois a falar e a gesticular como se aquela noite, passagem do tempo do abatxegu, fosse uma extraordinária mágica, uma descompassada e natural concentração de minérios que me seguia desde que eu saíra de Yurryczyarx. Não era o meu último drunh em Liboririm, mas as palavras e os gestos de Luoda Igefem fizeram minhas velhas roupas saírem do kavaneure. Também me proporcionaram um espetáculo maravilhoso porque as águas retornaram ao interior da enorme jazida, que se transformou numa bola de fogo que se infiltrou nas estrelas e sumiu... Desapareceu num lugar que eu não tenho lembrança.
Aos poucos Luoda Igefem foi me vestindo com as minhas verdadeiras roupas.
- Movido duoef, a grande jazida nunca foi lolesboquia de tropeço para vós. Há luzes nos vossos olhos, faíscas e asas nos vossos pés. Vós bem sabeis que ainda chegará o drunh do fim da vossa permanência em Liboririm. Mesmo assim, o tempo liboririntático se adiantou e libertou das pastilhas do kavaneure as vossas típicas roupas. Não demorará mais do que seis drunhs o regresso do duoef ao planeta Terra.
- Mas nesses seis drunhs onde irei na noite morar?
- O duoef morará no que é visto pela segunda vez: a vossa velha pele.