145º DRUNH, SETERGU / A CASA DO WICAUF

Quando setergu passou a ser o drunh do tempo liboririntático presente acordei de um sono multiplicado por sóis, dividido entre sonhos. A casa me pareceu maior. À sua frente nasceu, brotou, surgiu uma árvore frondosa onde pássaros se aninhavam em meio às casas e prédios da agradável, turística e cosmopolita Yurryczyarx.
Altura, largura, tamanho, extensão, volume, vastidão se manifestavam naquela casa eficaz, silenciosa. Silêncio que se descrevia a traços largos como um bosque de tijolos e metais e de particularidades quase sagradas, litúrgicas. Ausência de ruídos, presenças de sossegos, descansos, segredos e calmas se apresentavam no meu íntimo.
Comecei a me sentir fecundo, abundante e criativo. Encontrei outros cômodos. Quartos em formatos extremamente concisos, construídos distantes dos aposentos modelados em construções lógicas. Numa dessas pousadas, como se um poder superior à minha vontade fixasse irrevogável o curso dos acontecimentos, deparei-me com pequenas hastes coloridas espalhadas sobre folhas de papel branco. Através de alguma força propulsora me joguei nessas hastes e papéis. Móvel e estimulado, por um tempo troquei as palavras pelos desenhos. Tracei, delineei rabiscos multicoloridos que se juntaram. Desse agrupamento de ponteiros ergueram-se no ambiente despertadores tridimensionais. Flutuantes e esvoaçantes buscaram paredes. Uníssonos se fizeram ouvir. Um som retumbante, deleitoso, alucinadamente aprazível. Sem nenhuma vontade de procurar sustos e medos no baile dos despertadores desenhados me mantive definido, determinado naquela casa enquanto meu coração vagueava, girava pelos entusiasmos liboririntáticos. Devo ter me transfigurado diante dos alegres despertadores porque por alguns overebuts senti que feito os sóis de Liboririm meu rosto reluzia e as minhas roupas como a luz originária da porta principal da casa, que se abriu tão próxima da minha distância, brancas se tornaram.
Aonde quer que meu coração estivesse vagueando e girando ele deve ter se acelerado nesse instante. Do clarão repentino, iluminador dos interiores lógicos e ilógicos da casa, visível se apontou nos ventos melodiosos do silêncio uma divindade, um ser de aspecto animalesco possuidor de cheiro próprio de cidade. Muito rápido retornou ao meu corpo o coração. Os despertadores tridimensionais saíram das paredes. Coloridos pelo silêncio voltaram às folhas de papel. Assim o tempo e o silêncio se olharam pela primeira vez. Olhar que durou sem durar, que viveu sem se gastar. Por fim quando senti que talvez eu estivesse mesmo à espera de quem acabara de chegar, ele, o liboririntáqueo de chifres de metal perguntou-me:
- Dançante duoef, quem vós direis que é o dono desta casa? Sou o wicauf. O Liboririm como justo!
O tempo buscou outra vez os olhares do silêncio. Encontrou véus a abrir cenários que estavam cerrados, vedados. À frente da casa do wicauf, além da árvore frondosa onde pássaros se aninhavam em meio às edificações assomou-se uma pista de dança repleta de casais animados. Dançavam ao som de músicas compostas pelos sons de vários tipos de relógios dependurados nas nuvens de Yurryczyarx.
Eu, cativo seduzido atraído ativo por tudo o que conhecia em Liboririm fiquei pleno, extasiado com as músicas, com os movimentos corporais dos dançarinos. Êxtase que, por mais loucura que parecesse, me fez tossir repetidas vezes ao responder a pergunta que me fora feita.
- Coff coff! Digo porque sinto o que sei. E digo...Coff coff! E digo que é o wicauf o dono desta acolhedora casa. Coff coff coff coff!
- Tossegoso duoef, os ventos  da minha casa vos resfriaram? O duoef andou às escondidas fumando cigarros terrestres? Refluxos gastroesofágicos, infecções respiratórias? Tosses com causas psicológicas? O duoef  tanto pensa em regressar à Terra... Quem sabe foram tais pensamentos os causadores das vossas tosses no momento em que o duoef dizia que eu, o wicauf, sou o legítimo proprietário da casa onde permanecerás este e mais um drunh. Seremos, hospedável duoef, nos próximos sóis os mesmos sóis que agora brilham em Yurryczyarx. O tempo e o silêncio. Dê ao wicauf crédito! Vossas tosses não mais acontecerão. Ainda há palavras que precisam ser ditas aos vossos pensamentos. O Liboririm como justo!
O wicauf não era um bicho de sete cabeças. O wicauf era doce, favorável. Conhecido em Liboririm. Consagrado em Yurryczyarx. Antes de o setergu terminar o wicauf assim me falou:
- Incalculável duoef, sou uma alma oracular. Quando me adentro ao urbano liboririntático posso prever o futuro, apenas prever, supor, calcular. Sou considerado um grande músico. Sobre o futuro a nossa convivência agora e no próximo traregu tende a ser mais delirante porque nada revelarei ao duoef neste momento sobre o que haverá no tempo úmido e no silêncio do ir. O Liboririm como justo!
Quando o setergu acabou a dança dos avivados dançarinos também terminou, o que fez os relógios retornarem às nuvens. Os casais bailarinos se separaram. Misturaram-se à Yurryczyarx.
O wicauf se despediu. Foi para os seus aposentos. Procurei na casa um lugar para passar o tempo. Queria talvez fechar os olhos. Pensar nas quenturas e nos sons do planeta Vênus. Acabei pensando apenas em Liboririm. O planeta dos nove sóis me seguia. Eu não queria renunciá-lo. Inspiração e conhecimento. O regresso à Terra estava muito próximo. Liboririntaticamente o tempo liboririntático me transportaria ao futuro tempo terrestre.
- Por que estou assim a pensar? -perguntei-me de forma pouco perceptível a procurar a resposta dentro de mim.
- Liboririm como justo! -clamou em voz alta o afável hospedeiro.
Sem fechar os olhos e sem sonhar ali parado no lugar achado fiquei dentro do cheiro urbano do wicauf a imaginar em como calcular a duração das coisas e das músicas.