143º DRUNH, INSEGOGU / ANTIGA LEGENDA

A atividade principal passou a ser a busca de energia na solidão que assídua nas minhas vidas terrestre e liboririntática colocava à disposição água para me lavar, vapores que impulsionavam, hidratavam-me e ajudavam no controle da minha temperatura. A solidão me introduzia resistências. Quanto mais resistente eu ficava com toda a força me tornava transparente. Por vezes a solidão também me fazia dormir repentinamente. Os sonhos que me acordavam não eram únicos ou simples. Ao acordar às vezes em lugares diferentes dos locais onde dormia eu conservava lembranças desses sonhos veementes. Tratavam-se de sonhos incomuns. Em Liboririm nunca sonhei com bichos, monstros nem me via perseguido por liboririntáticos cruéis. Em Yurryczyarx sonhava sonhos fantásticos, extraordinários, excepcionais viagens da mente, do espírito dentro e fora do meu corpo em repouso. Não os entendia como sonhos disformes. Desejava intenso que as realidades de Liboririm e da Terra fossem realidades líquidas que passassem de um planeta para outro. Aconteceram ocasiões em que Liboririm foi o doador dessas realidades líquidas e a Terra o receptor. Vezes também ocorreram em que a Terra doou e Liboririm recebeu as realidades líquidas. Tais transfusões se assemelhavam às inteirezas, às totalidades dos sonhos e solidões.
Com mundos e sem fundos me levantei outra vez a acreditar na promessa dos liboririntáqueos de que o meu regresso à Terra era um realidade sólida. Não me sentia ingênuo por considerar como verdadeira a volta ao meu planeta de origem. Passei a chamar o regresso ao ponto de partida de Antiga Legenda.
Não me canso de afirmar que os sóis liboririntáticos são soberanos, reis detentores de espetaculares belezas abraçadas às imaginações do incomensurável. Em Yurryczyarx tive certeza: os sóis não eram utopias. Caminhando eu percorria o tempo e a cidade. Exercício que me alimentava. Invulgarmente acreditava que eu constante estaria com fome. Deixei-me andar pelo outro drunh. Insegogu me preencheu de fé e razão. Confiava nos liboririntáqueos. Eram os liboririntáqueos ovelhas metaforizadas? Lobos em pele de cordeiros? Serpentes que inoculavam vitalidades aos paraísos? Liboririm não é paradisíaco nem um mundo estranho contrário às pombas da paz.
As ruas de Yurryczyarx as minhas palavras procuravam. Encontravam além da solidão o contentamento. Meu coração se alegrava e se erguia. Topei numa daquelas ruas alumiadas de Yurryczyarx com uma cadeira e uma armadura de borracha e latão. Desejei ir à cadeira e me sentar. Assentado poderia pedir à armadura para me servir uma bebida porque a solidão sentia sede e eu queria beber sozinho. Aproximei-me do tempo marcado. Silêncio.
Uma dor que se disse ou fez de repente tomou-me o corpo. A dor se espalhou nas minhas vértebras. Colado na cadeira me agarrei à armadura de borracha e latão. A dor se originava dos bloqueios das articulações vertebrais. Momentos repetitivos? Pedi ajuda aos transeuntes. Tudo parecia ter saído fora do normal. Os liboririntáqueos que passavam na rua não revelavam possibilidades de me ajudar. Meus dedos se enfiaram nas costas elástica e metalizada da armadura. Tamanha dor que me fez gritar. O grito deve ter chegado aos sóis porque não demorou e uma lágrima rolou no meu rosto perdido na memória. Conjuntamente os sóis iluminaram uma lancambu que virava a esquina de cima e que desceu pela rua onde me achava. Ao passar à minha frente o veículo diminuiu a velocidade. Uma das suas janelas se abriu deixando-me enxergar no seu interior a presença da nalewinc, que como uma santa em êxtase lançou-me olhares fortes, vivos, enérgicos e levitados. A lancambu acelerou e desapareceu na esquina de baixo. Silêncio.
Aos poucos meus dedos saíram de dentro das costas da armadura. As lágrimas se escassearam. A dor nas vértebras se esgotou. O incômodo se concluiu, terminou. Levantei-me da cadeira restabelecido, livre da dor infinita e momentânea. Súbito o vento levou embora a cadeira e a armadura.
Sem sonhar imaginei que o drunh era o tempo da colheita. Dentro de mim o insegogu se aproximava do fim. Os sóis nada conjecturavam. Espalhavam-se por todo o Liboririm.
- Os sóis enxugam minhas palavras. -murmurejei.
A vontade de dormir se tornara pontual. Yurryczyarx me educara. Da cidade recebia o que eu tinha. Liboririm, desde o cedo da jornada, declarara a minha abundância. Fartura que ao meu ver voltaria ao ponto de partida, antiga legenda. E se em Liboririm eu nada tinha poderia ser que na Terra me fosse tirado até mesmo o que eu nunca tive.
Iniciei a procurar uma esquina onde pudesse dormir. Meus pensamentos conversavam com a solidão. Talvez a esquina cobiçada estivesse a nove ruas à frente. A solidão retrucava. Dizia aos pensamentos em respostas as respostas dos sonhos. Mas foi na oitava rua à frente que descobri o destino da lancambu que passara diante da dor que me afligia. No meio da oitava rua havia um hospital cujo nome, Tsahto Solex, arremeteu-me de novo ao espaço para que eu ganhasse outra vez altura, fosse a Nesemix, voltasse a Yurryczyarx e recomeçasse o pouso.
Assim ao pousar exatamente no idêntico lugar, a oitava rua onde fora arremetido, tornei a ver o Hospital Tsahto Solex. Vi ainda dependurada na porta principal do hospital uma chave à minha espera.